Introduzido com o objectivo de modernizar o modelo de abastecimento e pagamento, a nova tecnologia visa oferecer maior controlo sobre o consumo aos usuários e minimizar as perdas no fornecimento de água. No entanto, o sistema, que inicialmente foi bem recebido por sua proposta de flexibilidade e transparência, tem enfrentado uma onda de críticas devido a insatisfação por parte dos consumidores.
Enquanto AdRMM reconhece as potenciais vantagens do modelo, como o controle directo do consumo e a flexibilidade no pagamento, consumidores relatam dificuldades que comprometem o dia-a-dia, principalmente em relação ao custo mínimo das recargas e à inconsistência no fornecimento de água. A promessa de conforto e autonomia tem, para alguns, se transformado em uma fonte de frustração e ansiedade.
Como funciona o Sistema Pré-Pago?
O sistema pré-pago de água, implementado pela AdRMM, funciona de maneira semelhante ao modelo já usado no fornecimento de energia eléctrica, como o Credelec. Os consumidores adquirem créditos de água antecipadamente, conforme sua capacidade financeira, e utilizam o serviço até que os créditos se esgotem.
A proposta principal é proporcionar aos clientes um controle directo sobre o consumo, eliminando as surpresas das contas mensais e minimizando conflitos relacionados a erros de facturamento, comuns no modelo pós-pago.
De acordo com Francisco Tamele, responsável pelo projecto de expansão, o pré-pago cumpre a mesma tabela tarifária do modelo pós-pago e inclui medidas para facilitar o entendimento dos clientes.
“De facto, temos registado alguns clientes com percepção similar durante o primeiro contacto com este serviço e, tem sido ultrapassada após esclarecimentos e mais tempo de contacto com o mesmo, contudo, vale reter que tanto o regime de serviço pós-pago, assim como o pré-pago, cumpre a mesma tabela tarifária sobre o consumo que o cliente prática”, esclareceu explicando que trata-se uma percepção errada pois não houve alteração das tarifas, até por que não é competência da sua instituição fazê-lo mas sim da Autoridade Reguladora da Água.
Francisco Tamele acrescenta que a AdRMM também mantém brigadas de apoio técnico em locais de grande concentração, como mercados e bairros residenciais, para esclarecer dúvidas e evitar transtornos.
Apesar dessas promessas, o novo sistema não é universal. Ele tem sido priorizado para categorias específicas de consumidores, como clientes com histórico de inadimplência, domicílios de difícil gestão e pequenas empresas. No entanto, serviços sensíveis, como hospitais, indústrias e estabelecimentos penitenciários, permanecem fora da implementação, para garantir que o abastecimento não seja interrompido em situações críticas.
Embora os objectivos do sistema sejam ambiciosos e baseados em boas práticas internacionais, a realidade enfrentada pelos consumidores na cidade e província de Maputo revela desafios significativos na sua aplicação.
Queixas dos consumidores: entre custos elevados e falta de transparência
Embora o sistema pré-pago de água tenha sido introduzido com a promessa de maior eficiência e controle, muitos consumidores têm manifestado insatisfação com sua aplicação prática. Um dos problemas mais recorrentes é o valor mínimo das recargas, que, segundo os usuários, não corresponde ao consumo real e pesa sobre o orçamento das famílias.
“Antigamente [primeiros momentos de sua implementação], podíamos comprar uma recarga de 200 meticais, que durava uma ou duas semanas. Agora, sou obrigada a comprar uma recarga de 700 ou até 1.000 meticais, e a água acaba rapidamente, mesmo sem utilizarmos tanto,” relatou uma moradora da província de Maputo, sob anonimato.
Para ela, o sistema é “sufocante”, pois o consumo pode ser interrompido de forma inesperada, deixando as famílias sem acesso à água em momentos críticos.
Outra queixa frequente envolve a discrepância entre o valor pago e a quantidade de água fornecida. Um consumidor da cidade de Maputo gravou um vídeo relatando sua frustração. “Comprei uma recarga de 1.000 meticais, mas recebi água no valor de apenas 500 meticais. É confuso e não sabemos mais o que está acontecendo.”
A falta de clareza nos cálculos tem gerado desconfiança entre os usuários, muitos dos quais acreditam estar sendo cobrados além do consumo efectivo.
Além disso, a obrigatoriedade de monitorar constantemente o saldo disponível tem causado ansiedade entre os consumidores. Com o modelo pós-pago, havia maior previsibilidade em relação às facturas mensais, enquanto o sistema pré-pago exige que as famílias estejam sempre atentas para evitar a interrupção do abastecimento.
“Agora, a água virou um martírio. Se você não tem crédito, não tem água. É um sistema insustentável,” desabafou a mesma fonte.
A AdRMM, por sua vez, afirma que as aparentes irregularidades decorrem de factores como o desconto automático de dívidas pendentes. Segundo Francisco Tamele, parte do valor das recargas de clientes endividados é destinado à quitação de débitos anteriores, o que pode dar a impressão de que a água fornecida é inferior ao valor pago. Também destacou que os contadores pré-pagos possuem maior precisão em comparação aos antigos modelos pós-pagos, o que pode causar a sensação de aumento nos custos.
“Outro dado relevante é o facto de todo cliente que tiver dívida, o serviço pré-pago proceder a cobrança automática, em desconto percentual ao valor de cada compra de recarga de água, o que dá a errada percepção inicial de ter sido fornecida uma quantidade de água abaixo do comprado/pago”, elucidou.
Mesmo com essas explicações, a insatisfação persiste entre os consumidores. Para muitos, a falta de transparência e a aparente desconexão entre o valor pago e o volume de água consumido permanecem como os principais desafios do sistema.
Diante das críticas e insatisfações manifestadas pelos consumidores, a Águas da Região Metropolitana de Maputo (AdRMM) defendeu o sistema pré-pago, destacando sua eficiência e a necessidade de adaptação por parte dos usuários. O responsável pelo projecto de expansão do modelo, esclareceu que as tarifas de água permanecem inalteradas, independentemente de o sistema ser pós-pago ou pré-pago.
Segundo este, outro factor que pode influenciar essa percepção é a precisão maior dos contadores pré-pagos em relação aos antigos. Alguns dos modelos pós-pagos, mais antigos, apresentavam erros na medição, permitindo que parte do consumo não fosse contabilizada. Com a substituição pelos novos contadores, a cobrança tornou-se mais fiel ao consumo real, mas isso levou alguns consumidores a acreditarem que estão a pagar mais.
Para mitigar as dúvidas e dificuldades, a AdRMM tem adoptado medidas para educar os consumidores sobre o funcionamento do novo sistema.
“No acto de instalação é feito um treinamento ao cliente sobre os procedimentos de operação com o equipamento, incluindo processo de compra e aplicação das recargas e, linhas de assistência técnica. Adicionalmente, temos tido brigadas de activação do serviço em centros de aglomeração de pessoas,” ressaltou Tamele.
Segundo a AdRMM, o sistema não apenas melhora a gestão do consumo pelos clientes, mas também contribui para a redução de perdas de água, promovendo uma utilização mais sustentável do recurso. Contudo, para os consumidores domésticos, as queixas relacionadas à acessibilidade financeira e à transparência continuam a ser pontos de tensão.
Percepções de consumidores não abrangidos pelo sistema
Enquanto os consumidores já integrados ao sistema pré-pago manifestam críticas e insatisfações, aqueles que ainda utilizam o modelo pós-pago têm opiniões divididas sobre a nova tecnologia. Cidadãos residentes na Província de Maputo, ouvidos pelo Integrity Magazine, dizem já ter ouvido falar do novo sistema, entretanto divergem quanto às expectativas.
Enquanto uns entendem que vai facilitar a sua rotina permitindo flexibilidade no pagamento da água, outros receiam ter limitações no fornecimento do líquido precioso.
Leonor Machava acredita que o sistema pré-pago trará benefícios, sobretudo na possibilidade de controlar melhor os gastos.
“Pelo que já ouvi falar, com o novo contador, o cliente escolhe quanto quer pagar pela água e não é a empresa que decide quanto pagar. Se for verdade, vai ajudar a controlar os nossos gastos, porque a factura oscila muito”, disse Machava.
Outros, no entanto, demonstram preocupação com o impacto da mudança, especialmente em situações de dificuldade financeira. Horácio Moiane teme que o pré-pago limite o acesso à água em momentos críticos.
“A ideia é boa, vai facilitar sim, mas quando não tiver dinheiro para comprar, vão cortar água em casa. Agora quando não tenho dinheiro para pagar água, posso aguentar até o mês seguinte, mas com esse sistema vai ser difícil. Aguentamos ficar sem energia, mas sem água é difícil”, lamentou.
Entre os que vêm o pré-pago como uma evolução positiva, a modernização do sistema é apontada como um avanço necessário.
“A parte boa nisso é que estamos a evoluir ficará mais fácil controlar quanto estou a consumir, no modelo que temos só os das águas é que conseguem interpretar aqueles números que aparecem, por vezes nem dizem quanto nós consumimos de água”, contou Leonor, demonstrando optimismo em relação à transparência prometida pela AdRMM.
Outros ainda destacam vantagens indirectas, como a segurança. Para Horácio, o novo modelo poderá reduzir os casos de roubo de contadores.
“Se for modelo tipo credelec da EDM, vai ajudar, é mais seguro porque aí ninguém rouba teu contador enquanto esses outros contadores passamos mal, temos que trancar e cimentar para esses miúdos não tirarem”, vaticinou Horácio.
Essas percepções evidenciam que, enquanto o sistema pré-pago é recebido com expectativa de modernização e controle de consumo, as dúvidas sobre sua aplicação prática e os desafios financeiros permanecem uma preocupação significativa entre os consumidores ainda não abrangidos. Contudo, a sua implementação fundamentou-se em estudos nacionais e estrangeiros.
“O serviço de abastecimento de água em regime pré-pago, não é uma tecnologia da qual a AdRMM seja protagonista, ela somente adoptou.” Explicou Tamele em última instância, depois de apresentadas pelo Integrity Magazine as preocupações dos consumidores que se dizem sufocados com o novo sistema pré-pago. (Ekibal Seda & Bendito Nascimento)