O movimento juvenil, tradicionalmente um termómetro de agitação social e política, tem se mostrado cada vez mais activo, com jovens que, em sua maioria, exigem mudanças reais nas esferas política, económica e social. As manifestações, que tomaram as ruas das grandes cidades como Maputo e Matola, ou seja, todos os cantos do país, expõem uma crescente frustração com a falta de oportunidades e a constante violência política.
Alguns líderes das principais organizações juvenis de Moçambique têm manifestado opiniões divergentes sobre as manifestações populares e a crise política que atravessa o país, reflectindo a complexidade do momento actual. Ivandro Massingue, presidente da Organização da Juventude do partido Podemos (OJP), defende o direito às manifestações pacíficas como uma forma legítima de a juventude expressar seu descontentamento com a crise socioeconômica e a repressão estatal, enquanto Silva Livone, secretário-geral da Organização da Juventude Moçambicana (OJM) da Frelimo, classifica as manifestações pós-eleitorais como actos de subversão e terrorismo urbano.
Renato Muelega, líder juvenil do MDM, chama a atenção para a exclusão estrutural da juventude nas decisões nacionais e enfatiza a necessidade de um presidente capaz de gerir as riquezas do país de forma equitativa. Já David Fardo, presidente do Parlamento Juvenil, destaca que a destruição de bens públicos não representa a essência das manifestações, mas sim a acção de grupos desalinhados com os objectivos legítimos. Em comum, todos concordam na urgência de um diálogo que inclua a juventude e promova soluções para os problemas que a afligem, como o desemprego, a educação e a exclusão social.
Ivandro Massingue: “Se hoje estamos a ver assaltos a esquadras, quem garante que amanhã não veremos mais acções violentas?”
Ivandro Massingue, presidente da Organização da Juventude do partido Podemos (OJP), expressou o apoio da juventude às manifestações populares, que, segundo ele, são um direito legítimo de reivindicação. Para Massingue, as manifestações têm sido uma forma de os jovens expressarem seu descontentamento com o governo e a crise multifacetada que o país atravessa, não apenas pela “verdade eleitoral.”
Este, destaca que os jovens se sentem discriminados, e a discriminação, segundo Massingue, ocorre de várias formas: “Sentimos que há discriminação, seja por razões partidárias, étnicas ou até mesmo familiares. Isso tem se reflectido nas dificuldades que enfrentamos para exercer os nossos direitos.”
Embora Massingue reforce o apoio às manifestações, deixa claro que a posição do partido é a favor de protestos pacíficos. “Nós defendemos manifestações pacíficas. O nosso desejo é sempre organizar acções pacíficas, com rostos identificados, com locais e horários definidos. No entanto, sempre que tentamos promover essas manifestações, somos repelidos com violência.”
O líder da OJP explicou que as tentativas de organizar manifestações pacíficas têm sido frustradas pelas autoridades, que, em vez de permitir o direito legítimo à expressão, respondem com balas de borracha e reais, gás lacrimogéneo e até mesmo com detenções e ameaças. Para ele, essa repressão contribui para o aumento da violência nas manifestações.
Massingue atribui a escalada de violência nas manifestações a uma resposta inadequada do governo. Afirma que, quando o partido tenta organizar eventos pacíficos, as autoridades não permitem que os líderes do partido participem, criando um vazio de liderança nas marchas. “Quando não nos deixam participar, o povo se auto-lidera e age por conta própria. O que estamos a ver são jovens tomando decisões próprias e indo para as ruas sem a liderança do partido.”
Esse cenário de desordem e violência nas manifestações, segundo Massingue, pode levar o país a um aumento significativo da criminalidade. Alerta também, que a falta de diálogo e a repressão excessiva estão a gerar uma atmosfera de insatisfação social que pode resultar em acções mais extremas.
“Se hoje estamos a ver assaltos a esquadras e saques em comércios, quem garante que amanhã não veremos a cobrança de taxas informais, ou mais acções violentas?”, questionou.
Para Massingue, a solução para a crise actual passa pela eleição de um presidente capaz de dialogar com todos os cidadãos, especialmente com os jovens. “Queremos um presidente imparcial, que promova a inclusão social e nos faça sentir orgulhosos do nosso país, porque este país é nosso, e as riquezas devem beneficiar a todos.”
Expressou a necessidade de um governo que ouça as preocupações da juventude e que esteja disposto a criar políticas públicas que melhorem as condições de vida dos jovens moçambicanos.
“Precisamos de um presidente que, ao invés de ameaçar a juventude, consiga nos ouvir, nos entender e conduzir o país a um patamar de desenvolvimento que inclua a todos, sem discriminação partidária.”
Renato Muelega: “O futuro líder tem que ser um gestor, alguém capaz de gerir expectativas, riquezas e promover a inclusão”
Renato Muelega, presidente nacional da Liga da Juventude do MDM, afirma que os jovens do partido se veem representados pela actual conjuntura política (manifestações), mas não de forma ideológica, e sim histórica. Para ele, o momento exige reflexão sobre as questões estruturais que têm marcado a exclusão e a marginalização dos jovens nas decisões nacionais.
Muelega destaca que, desde as últimas eleições, os órgãos do partido, incluindo o voltado à juventude, não realizaram reuniões formais para discutir posicionamentos sobre os processos que o país atravessa.
“De forma voluntária, os jovens foram se encaixando nas diversas iniciativas que o país tem vivido, algumas bem concebidas, outras nem tanto.”
Ele observou que os jovens estão a se manifestar de maneiras espontâneas, emitindo suas mensagens por meios informais, mas clamando por mudanças estruturais profundas. Para ele, é necessário que a sociedade e a liderança nacional parem para ouvir essa geração que, mais do que nunca, busca ser incluída nas decisões que moldam o futuro do país.
Renato aponta que o grande entrave para o desenvolvimento dos jovens está na concentração da riqueza nacional em mãos de uma elite restrita. “Há uma elite que está a gerir o melhor que Moçambique tem, que são as riquezas, e essa gestão não contempla os jovens nem a maioria da população,” afirma.
Segundo Muelega, essa exclusão alimenta o descontentamento e o sentimento de injustiça. Defende que é necessário quebrar esse paradigma, promovendo uma partilha justa e equitativa dos recursos do país. “A riqueza precisa ser consumida por todos, e não apenas por um pequeno grupo privilegiado.”
Para o líder da juventude do MDM, o próximo presidente de Moçambique precisa ir além do papel de político tradicional. “O futuro líder tem que ser um gestor, alguém capaz de gerir expectativas, riquezas e promover a inclusão de todos os segmentos da sociedade nas decisões importantes.”
Renato enfatiza a necessidade de um líder dialogante e transparente, que envolva os jovens e demais cidadãos em processos participativos e democráticos. “Os jovens de hoje precisam de um líder que os informe e inclua no que está a acontecer, um líder que dialogue com todos os segmentos sociais.”
Silva Livone: “as manifestações pós-eleitorais são crimes de subversão e terrorismo urbano”
Silva Livone, secretário-geral da Organização da Juventude Moçambicana (OJM) da FRELIMO, reconhece abertamente que o país está a passar por um momento difícil. No entanto, posiciona as manifestações pós-eleitorais como crimes de subversão e terrorismo urbano, destacando a anarquia que tem ocorrido nas cidades e vilas, especialmente em Maputo e Matola.
Para Livone, esses protestos não devem ser confundidos com manifestações legítimas de descontentamento, mas sim como acções de desordem que comprometem a estabilidade do país.
Livone sugeriu que o actual cenário de instabilidade exige uma reflexão profunda. Este, questiona a necessidade de continuar realizando eleições que, segundo ele, invariavelmente acabam em violência. “Vale a pena não fazermos mais eleições? Ou talvez sentarmos, no fim do mandato, e distribuirmos os assentos de maneira mais equilibrada? Precisamos encontrar formas de evitar que o povo sofra devido a pretextos eleitorais.”
Também, aponta que a violência recorrente durante os períodos eleitorais é um reflexo de falhas nas leis e processos eleitorais. “Sempre que há eleição em Moçambique, há barulho. Precisamos reformar profundamente a lei eleitoral para que ela esteja alinhada com as realidades modernas e actuais do nosso país.”
A reforma da Comissão Nacional de Eleições (CNE), segundo Livone, é um passo fundamental para garantir a neutralidade e a confiança nas eleições. Também sugere que uma CNE neutra seria uma solução mais justa, uma vez que a actual configuração, com partidos da oposição envolvidos, tem gerado acusações de fraude e manipulação.
Livone critica as tentativas de gerar caos e anarquia por parte de certos sectores, que, segundo ele, buscam desestabilizar o país. E, defende a acção firme das forças de segurança para combater essa desordem e restaurar a ordem pública.
“Estamos a enfrentar uma tentativa de golpe de Estado e uma tentativa de generalização da desobediência. Isso deve ser combatido com a força de segurança, colocando um basta a essa situação.”
O representante da juventude dos camaradas, também manifestou optimismo em relação às medidas que serão anunciadas pelo “governo de Daniel Chapo” a partir do dia 15 de Janeiro. E acredita que essas acções irão restaurar a confiança dos moçambicanos e resolver as questões que afectam a juventude e a população em geral.
“Chapo vai anunciar medidas bastante fortes para dar confiança ao povo moçambicano. Há programas que estão sendo preparados para resolver os problemas dessa juventude.”
David Fardo: “há indivíduos não alinhados com a causa que destroem bens durante as manifestações”
O presidente do Parlamento Juvenil, David Fardo, abordou as manifestações no país destacando que a destruição de bens públicos não reflecte a verdadeira intenção dos manifestantes, mas sim é fruto de acções de pessoas que não estão alinhadas com os objectivos legítimos desses protestos.
“A questão da destruição de bens públicos é perpetrada por aqueles que não estão bem alinhados com o real motivo das manifestações,” afirmou Fardo, enfatizando que os protestos devem ser um meio de conscientização e acção positiva, e não de violência.
Fardo também sublinha que a juventude deve ser mais do que uma mera participante nos protestos; ela precisa ser uma agente activa no processo democrático do país.
“Quando falo em consciência de acção, refiro-me não apenas às manifestações, mas à participação activa nos espaços de debate e na construção da democracia. A juventude deve estar cada vez mais envolvida na tomada de decisões que afectam sua vida e o futuro do país.” Para ele, a juventude tem o papel fundamental de consolidar as leis que protegem seus direitos e contribuir para um país mais justo e democrático.
David Fardo também expressa as expectativas da juventude para o próximo presidente, defendendo a importância de um líder que seja “participativo, tolerante e capaz de liderar com visão e acção.” E destaca que, além de ser um líder inclusivo, o presidente deve se concentrar nas questões mais prementes que afectam os jovens, como habitação, emprego e educação. Para Fardo, é essencial que a juventude não apenas se manifeste, mas também seja ouvida em relação às políticas que moldarão o futuro do país. (Bendito Nascimento)