Em meio a esse turbilhão, o presidente Filipe Nyusi convocou um encontro com os principais candidatos da oposição e reuniu-se com apenas três deles em um encontro sem frutos, um gesto que foi amplamente criticado por analistas e líderes da sociedade civil.
Para Lázaro Mabunda, jornalista e docente universitário na Escola Superior de Jornalismo, e Baltazar Fael, membro do Centro de Integridade Pública (CIP), este encontro não apenas carece de legitimidade como também foi uma encenação política desprovida de qualquer seriedade ou intenção real de diálogo.
Uma encenação política sem protagonista
Lázaro Mabunda foi contundente ao analisar o evento. Segundo ele, o encontro “praticamente não se realizou” devido à ausência de Venâncio Mondlane, uma das figuras centrais da oposição e líder de várias manifestações contestando os resultados eleitorais. Para Mabunda, a tentativa de realizar o evento mesmo com a ausência de Mondlane tornou evidente que o evento era mais um espectáculo político do que uma tentativa genuína de solucionar os problemas do país, por reunir indivíduos em uma sala sem tratar nada.
“Na essência, o que seria esse entretenimento? É mesmo para entreter as pessoas, para pensar que se trata de algo sério, quando, na verdade, não é. Trata-se de uma forma de queimar o tempo enquanto o Conselho Constitucional não decide sobre os resultados. Então não há nenhum objectivo claro em relação ao que seria um diálogo”.
Este acrescenta que, um diálogo genuíno não pode ser liderado por alguém que é parte interessada no processo, como Nyusi. “Um diálogo sério requer uma equipe neutra para mediar as negociações. O exemplo clássico disso é o Acordo Geral de Paz de 1992, que foi intermediado pela Igreja Católica, uma entidade considerada imparcial pelas partes em conflito.” Mabunda destaca que, ao contrário disso, Nyusi, enquanto presidente da Frelimo e aliado do secretário-geral do partido, que foi candidato nas eleições, é directamente beneficiado pelo processo eleitoral contestado, uma vez que permite que o seu partido continue no poder.
Conflito de interesses e falta de estrutura
Para Mabunda, é impossível levar a sério um diálogo na qual as partes interessadas não tenham sequer os termos de referência definidos. Também, critica o facto de Nyusi ter convidado os opositores sem esclarecer a agenda ou os objectivos do encontro, tendo apenas os convidados recebido um convite de poucas linhas como se de um casamento tratasse.
“Então, não se pode esperar que haja um diálogo sério. Se não há definição dos termos de referência do diálogo, quem está liderando o diálogo é um actor principal de toda a manipulação eleitoral”, afirmou.
Relativamente ao que o presidente defendeu, sobre a imprensa só participar na abertura, durante o próximo encontro, e depois ser dispensada. Mabunda destacou o papel da imprensa no processo. Segundo ele, um diálogo transparente não pode ser conduzido a portas fechadas, como frequentemente acontece nas negociações entre a Frelimo e a Renamo.
“Significa [a possibilidade de descartar a presença da imprensa] que, para mim, quer, mais uma vez, recorrer aos mesmos mecanismos que recorreu para fechar um acordo com a RENAMO. E nunca sabemos o que depois acontece, quais são as contrapartidas dadas a cada uma das partes. Ninguém sabe. Ninguém”.
Uma pressão das manifestações ou uma estratégia de contenção?
Baltazar Fael, por sua vez, vê a convocação do encontro como uma resposta directa à pressão popular. Ele acredita que, se não fosse pelas manifestações lideradas por Mondlane, este evento sequer teria sido organizado.
“O presidente chamou os candidatos agora para a mesa apenas devido à pressão das manifestações. Se não fosse isso, o processo seguiria normalmente, com a Frelimo tomando posse na Assembleia da República e a vida continuaria como sempre”, afirmou.
Para Fael, a ausência de Mondlane no encontro foi o principal factor que inviabilizou qualquer avanço. “Venâncio Mondlane é a figura central deste processo. Se ele não estiver no diálogo, não haverá solução. Ele continuará a convocar manifestações.”
Os analistas concordam que o actual cenário é fruto directo de um processo eleitoral marcado por fraudes e manipulações. Mabunda foi enfático ao descrever Nyusi como o “protagonista da manipulação eleitoral” e questionou a moralidade do presidente e de outros líderes políticos envolvidos no processo.
Fael, argumenta contrariamente a ideia de Mabunda sobre a presença da imprensa. Para Fael, para manter o ambiente ordeiro e situações de exclusão de alguma imprensa, o ideal é a ausência desta.
“A imprensa, não. Não pode estar lá. Agora, os partidos, através daqueles que participam, podem vir ao público e passar essa informação. A imprensa lá dentro não atrapalhará, de fato. Eu não concordo que esteja lá a imprensa. E também, se me disserem que estará a TV, porque é da Frelimo, também não concordo que esteja”, defende este, afirmando que se deve fazer selecção de individualidades idóneas para lá estarem e acompanhar a situação.
Tanto Mabunda quanto Fael enfatizaram que a única maneira de avançar é por meio de um processo de diálogo estruturado, transparente e mediado por uma entidade independente. Eles argumentam que o presidente, enquanto principal beneficiário das fraudes, não deveria estar directamente envolvido na organização ou condução dessas negociações.
Para estes, se não houver encontros sérios e estruturados, o país continuará num impasse. E reforçam a ideia de que esses encontros não podem ser apenas um gesto simbólico. Precisam ter substância, objectivos claros e, acima de tudo, garantir que todas as vozes sejam ouvidas.
Um país à espera de respostas
Enquanto o país aguarda uma resolução para a crise política, fica evidente que o actual modelo de diálogo proposto pelo presidente não atende às expectativas de boa parte da sociedade. Para muitos, o que se viu foi mais um exemplo de como o poder é usado para sustentar interesses partidários em detrimento do bem comum.
Com a legitimidade das eleições em xeque e a confiança no sistema político profundamente abalada, manifestações generalizadas, repressão policial, o futuro de Moçambique depende de acções concretas que demonstrem compromisso com a justiça, a transparência e a verdadeira reconciliação nacional. (Bendito Nascimento)