O estudo destaca preocupações sobre a exclusão de duas cláusulas cruciais que beneficiaram Moçambique: o pagamento do imposto sobre a produção em espécie e a exigência de conteúdo local.
Para o CIP, a negociação do contrato ocorre em um contexto político delicado, com o actual governo de Filipe Nyusi a menos de um mês do fim do seu mandato. E alerta que, devido à proximidade do fim do governo, essa assinatura poderia não ser adequada, já que, idealmente, o próximo governo deveria assumir a responsabilidade por acordos dessa magnitude. A pressa em concluir as negociações sem a devida transparência e reflexão poderia comprometer os interesses a longo prazo do país, especialmente em um momento de transição política.
As cláusulas em questão, que abordam o pagamento em espécie e a promoção de conteúdo local, são vistas como essenciais para que Moçambique possa tirar o máximo proveito do gás extraído, assegurando benefícios tanto econômicos quanto sociais para o país. A proposta de exclusão dessas cláusulas levanta sérias preocupações sobre a viabilidade e os benefícios que Moçambique pode alcançar com o projecto Coral Norte.
Uma das cláusulas contestadas refere-se ao pagamento do imposto sobre a produção em espécie, que permitiria que Moçambique recebesse parte do gás extraído, em vez de um pagamento em dinheiro. O pagamento em espécie é uma ferramenta estratégica que possibilita ao governo utilizar os recursos para consumo interno ou para exportação, sem depender exclusivamente de uma liquidez imediata. A exclusão desta cláusula limita a flexibilidade do país na gestão de seus próprios recursos, diminuindo seu controle sobre a exploração do gás natural.
O estudo do CIP observa que, embora o pagamento em espécie seja uma alternativa menos comum, ele oferece ao país a oportunidade de usar o gás para diversificar a economia e promover o desenvolvimento local. No entanto, para que isso seja viável, são necessários investimentos significativos em infraestrutura e capacidades técnicas, o que ainda representa um desafio para Moçambique.
A segunda cláusula crucial, é a exigência de conteúdo local, que estabelece que uma parte significativa dos bens, serviços e mão de obra usados no projecto seja proveniente de Moçambique. Sem essa cláusula, o país corre o risco de ver suas empresas locais e trabalhadores ficarem à margem do desenvolvimento econômico gerado pelo projecto. O estudo do CIP alerta que a exclusão dessa exigência prejudica as chances de Moçambique criar uma cadeia de valor nacional robusta, o que poderia resultar em uma dependência maior de empresas estrangeiras.
Embora o projecto Coral Sul tenha investido em treinamento e capacitação de trabalhadores moçambicanos, as dificuldades técnicas em projectos offshore, como o Coral Norte, têm limitado a implementação total de conteúdo local. A remoção da cláusula poderia agravar ainda mais essa situação, comprometendo o desenvolvimento de competências e a geração de emprego local.
De acordo com as projeções do CIP, a perda dessas duas cláusulas pode resultar em prejuízos econômicos significativos para Moçambique. O estudo estima que o país poderia perder até 2,3 mil milhões de dólares ao longo de 25 anos do projecto, o que representaria cerca de 92 milhões de dólares anuais, ou 1,71% das receitas previstas para o Estado no Orçamento de Estado de 2024. A ausência das cláusulas de pagamento em espécie e de conteúdo local comprometeria o potencial de Moçambique de aproveitar integralmente os benefícios da exploração de seus recursos naturais.
Portanto, o estudo enfatiza a necessidade de uma abordagem mais cuidadosa e estratégica na negociação de contratos com empresas multinacionais, a fim de garantir que o país maximize os benefícios para sua economia e sua população. A pressão da ENI para fechar o contrato sem essas garantias coloca em risco o futuro do país, que poderia ter mais controle sobre seus recursos naturais e mais oportunidades de desenvolvimento local, caso as fossem mantidas. (Bendito Nascimento)