Desde Fevereiro, os extensionistas não recebem os salários acordados, o que levou à publicação de uma carta aberta direcionada ao Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Celso Correia, exigindo esclarecimentos sobre o paradeiro dos pagamentos. “Tentamos exigir o nosso pagamento dos nossos salários, porque já passaram quatro meses e não recebemos quase nada. Desde que o ano começou, só recebemos no mês de Janeiro e Fevereiro”, declarou um dos técnicos em um vídeo que o IMN teve acesso .
Na carta, os trabalhadores destacam o impacto devastador dos atrasos: endividamento junto a agiotas, despejos por falta de pagamento de rendas e abandono de funções devido à impossibilidade de custear deslocações. “O extensionista virou camponês, comerciante e até nômada, andando de casa em casa, sem condições de trabalho”, apontam. Além disso, denunciam que foram forçados a mentir para os agricultores sobre o andamento do projecto, devido à falta de informações confiáveis.
Os extensionistas decidiram dar um ultimato: ameaçam paralisar suas actividades por 30 dias, caso os pagamentos não sejam regularizados. A paralisação seria uma tentativa de pressionar o Governo a resolver a situação, que já comprometeu os objectivos centrais do Sustenta, como aumentar a produção agrícola e combater a pobreza rural.
Lançado em 2020 com um financiamento de 150 milhões de dólares do Banco Mundial, o Sustenta é promovido como uma das iniciativas mais bem-sucedidas no sector agrícola. Porém, investigações do Centro de Integridade Pública (CIP) e do Mídia Lab revelaram que, longe de alcançar os objectivos prometidos, o programa está atolado em irregularidades financeiras e má gestão.
Um relatório divulgado pelo CIP em Setembro de 2023, apontou desvios milionários no Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS), entidade responsável pela execução do Sustenta. Segundo o documento, consultores contratados no âmbito do programa declararam impostos muito abaixo do valor devido, resultando em um prejuízo estimado de 17 milhões de meticais para o Estado.
Os extensionistas, entretanto, permanecem à margem de qualquer benefício ou regalia. “O Sustenta se tornou um ‘acidente de emprego’, que só trouxe fome e endividamento para os trabalhadores contratados”, afirmaram na carta.
O atraso nos pagamentos também afecta directamente os beneficiários do programa. Sem os extensionistas em campo, as famílias rurais, que deveriam integrar cadeias produtivas, ficam sem o suporte técnico necessário para melhorar a produtividade agrícola. “O Sustenta prometeu transformar vidas, mas, na prática, deixou trabalhadores e comunidades em uma situação de total abandono”, criticam os extensionistas.
Apesar da gravidade das denúncias, o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural ainda não se pronunciou oficialmente sobre os atrasos salariais e as irregularidades apontadas.
O Sustenta, amplamente divulgado como um marco na agricultura moçambicana, expõe uma contradição crescente entre a retórica oficial e a realidade vivida por trabalhadores e comunidades. Enquanto gestores e consultores do programa são acusados de enriquecimento ilícito, os extensionistas permanecem sem salários, e os agricultores familiares, sem apoio técnico.
Portanto, com os olhos voltados para os próximos passos do Governo, os extensionistas aguardam não apenas pelos salários atrasados, mas também por uma reavaliação estrutural do programa, que, segundo eles, “falhou desde o início”. Enquanto isso, a promessa de transformar a economia rural continua sendo apenas isso: uma promessa. (Bendito Nascimento)