Uma das questões que sempre me levantei foi: quem está a morrer nestas manifestações? Quem mata nestas manifestações? E a resposta é: gente pobre, gente muito pobre. Estamos numa espécie de guerra dos pobres. Os pobres que se matam entre eles. Não há dúvidas de que o país precisa de lavar a cara, percorrer outros rumos e dar um futuro melhor aos seus jovens. Mas, tudo isso não se consegue com sangue inocente nas ruas.
Uma boca de um pobre, com fome, pode não ter nada, mas nunca perde a capacidade de dialogar. Temos visto, nas ruas, manifestantes negociando passeatas com a polícia e militares; o que custa, já agora, a VM7 a driblar tudo e a sentar-se na mesa de conversações? A chama cresce a cada dia, porque há gente que coloca mais lenha, mas amanhã, podemos acordar numa verdadeira fogueira que nos vai consumir a todos. Todos.
Os membros do Podemos falam em revolução bem enrolados nos sofás com telemóveis em punho, avançam palavras de ordem e gritam que ninguém deve recuar. Gritam isso enquanto esticam as pernas, bem sentados a acompanhar tudo pela TV. Pedem aos pobres que lutem, pedem aos pobres que morram, pedem aos pobres que exijam a verdade eleitoral. Quem já viu, nessas manifestações, os membros do Podemos que pedem verdade eleitoral?
O agente da PRM, que mora no bairro Urbanização, é escalado para reprimir os manifestantes no bairro Luís Cabral. Ele atira contra inocentes e o seu filho, no bairro da Urbanização, descarrega pedradas contra um agente qualquer da PRM. E ao fim do dia, os dois, pai e filho, sentam-se na mesma mesa e se entreolham tão cheios de uma culpa inaudível, porque estão na guerra dos pobres sem o saber.
A guerra dos pobres é o que assistimos em Patrice, quando se invadiu uma padaria; um punhado de gente ficou sem trabalho e dias e dias parte do bairro ficou sem pão. A guerra dos pobres é o agente da PRM que atira, para matar, contra um manifestante e um manifestante que atira uma pedra contra um agente. E ambos morrem! Assim avança a guerra dos pobres.
Estamos pobres, estamos sem comida, estamos sem boas condições, mas numa guerra contra nós próprios só aparecerá um único vencedor: a nossa pobreza. O VM7 devia pensar um pouco nos pobres e na nossa pobreza, devia deixar de agitar gente que sempre esteve com um fósforo nas mãos, gente pobre.
É a nossa pobreza. Os pobres matam-se, trocam acusações e os outros, que agitam os pobres, trancam-se dentro das suas casas e passam o dia inteiro a partilhar, nas redes sociais, fotografias de pobres lutando e morrendo. E, de quando em quando, pedem aos advogados que se desloquem de esquadra à esquadra para libertar os pobres. Eles estão bem sentados e a preparar mensagens de que a revolução tem sempre algo: morrem sempre inocentes. (GC)