Os decisores políticos africanos e os parceiros internacionais reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas deste ano (COP29) destacaram na terça-feira a crise urgente colocada pela falta de acesso a cozinha limpa, um desafio que afecta 1,2 mil milhões de pessoas em toda a África e que leva a milhões de mortes prematuras anualmente.
“É inaceitável que as mulheres continuem a morrer por não terem acesso a soluções de cozinha limpa”, afirmou o Vice-Presidente da Tanzânia, Philip Mpango, falando em nome da Presidente, Samia Suluhu Hassan, num evento à margem da COP29 sobre os desafios da cozinha limpa em África. A sessão sublinhou a necessidade de soluções inovadoras e de esforços de colaboração para oferecer opções de cozinha seguras e sustentáveis.
Mais de 83% das pessoas na África subsaariana dependem dos combustíveis tradicionais de biomassa, o que tem graves repercussões na saúde, no ambiente e na economia. A dependência de combustíveis poluentes custa aproximadamente 791,4 mil milhões de dólares por ano, sendo os impactos relacionados com a saúde estimados em 526,3 mil milhões de dólares.
“Temos de dar prioridade aos investimentos em infraestruturas de cozinha limpa e apoiar políticas que permitam o acesso de todos a soluções de cozinha sustentáveis e a preços acessíveis. Isto é essencial não só para a saúde, mas também para o desenvolvimento económico e a sustentabilidade ambiental”, apelou Mpango.
Kevin Kariuki, Vice-Presidente do Grupo Banco Africano de Desenvolvimento para a Eletricidade, Energia, Clima e Crescimento Verde, fez eco do apelo à ação. “Cozinhar de forma limpa não é apenas uma questão de saúde; é uma questão de dignidade humana. Não podemos permitir que as nossas irmãs e mães sofram em silêncio enquanto temos o poder de mudar esta situação… Temos de mobilizar pelo menos 4 mil milhões de dólares por ano para alcançar o acesso universal à cozinha limpa até 2030”.
Numa cimeira em Paris realizada em maio de 2024, o Presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, Dr. Akinwumi Adesina, comprometeu-se a atribuir 20% do financiamento do Banco a projetos energéticos que promovam alternativas de cozinha limpa, ajudando a garantir 2,2 mil milhões de dólares em compromissos dos sectores público e privado para melhorar as práticas de cozinha em toda a África.
Fatih Birol, Director Executivo da Agência Internacional de Energia, apelou a uma ação de colaboração. “Temos o conhecimento e as ferramentas para fazer a diferença. É imperativo que nos unamos – governos, setor privado e sociedade civil – para implementar soluções inovadoras que garantam que todas as famílias tenham acesso a uma cozinha limpa. Não se trata apenas de uma questão de saúde; trata-se de criar um futuro sustentável para todos”, afirmou.
Damilola Ogunbiyi, Directora Executiva e Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Energia Sustentável para Todos, salientou a urgência, referindo as dificuldades diárias enfrentadas pelas mulheres que passam horas a recolher combustível e sofrem com a poluição do ar interior. “Temos de garantir que as soluções de cozinha limpa chegam a todos os cantos de África para proteger a vida das mulheres e das crianças”, afirmou.
O evento contou com a participação de Rashid Abdallah, diretor da Comissão Africana de Energia (AFREC), que apresentou os resultados do novo relatório “Sustainable Scaling: Meeting the Clean Cooking Challenge in Africa”. Abdallah salientou que cerca de mil milhões dos 2,3 mil milhões de pessoas sem acesso a cozinha limpa em todo o mundo se encontram em África e que o continente perde anualmente cerca de 3,9 milhões de hectares de floresta devido a práticas de cozinha não sustentáveis.
Abdallah anunciou o lançamento do Programa Africano de Cozinha Limpa, destinado a criar uma estratégia abrangente e um plano de ação para melhorar o acesso à cozinha limpa em todo o continente. “Procuramos criar uma plataforma onde os Estados membros possam aprender uns com os outros e partilhar as melhores práticas”, afirmou, sublinhando a necessidade de acompanhar o progresso e promover parcerias.
Joseph Ng’ang’a, Vice-Presidente para África da Aliança Global Energética para as Pessoas e o Planeta, sublinhou a importância de integrar soluções de cozinha limpa nos esforços de eletrificação. Tornar acessíveis os aparelhos de cozinha limpos são essenciais para a sua adoção generalizada, salientou, instando os governos a garantir a existência das infraestruturas e das políticas necessárias para apoiar a transição.
Entre os participantes encontravam-se representantes da SIDA (Suécia), do Instituto de Recursos Mundiais, do PNUD e de outros parceiros, todos unidos na luta contra a crise da falta de cozinha limpa. As discussões enfatizaram a integração da cozinha limpa em estratégias mais amplas de acesso à energia para garantir que nenhum africano seja deixado para trás na mudança para a energia sustentável.
“Não nos podemos dar ao luxo de esperar mais tempo”, apelou Kariuki. “A cozinha limpa deve estar na vanguarda das nossas agendas, pois é vital para a saúde e a dignidade de milhões de famílias em toda a África”, concluiu.