Por José Guambe – [email protected]
É verdade que com a instauração do multipartidarismo, houve a possibilidade de os cidadãos participarem de forma direita na eleição dos que deveriam ser os projectos de sociedade a orientarem o país ao longo de quinquénios. Isso passaria necessariamente, pela escolha, também de representantes e/ou mandatários capazes de levar adiante os anseios do povo, conservando o desenvolvimento do Estado democrático de direito. Moçambique é uma jovem democracia, que carece de percorrer a longa estrada que lhe permitirá de atingir o estado de plena maturação. Desde as primeiras eleições em 1994, os momentos pré e pós-eleições, têm sido caracterizados pela ocorrência de diversas tensões e actos de violência resultantes das fragilidades das instituições do Estado, que deveriam ser garantes da segurança, estabilidade e transparência de todo o processo eleitoral para que seja reflexo da vontade popular, constitucionalmente soberana.
No decurso do apuramento intermédio, o candidato presidencial Venâncio Mondlane (VM7), autoproclamou-se vencedor das eleições, baseado nos dados da contagem paralela dos editais, realizada numa central montada em coordenação com partido que suportara a sua candidatura, o PODEMOS. O anúncio dos resultados das eleições por parte da Comissão Nacional da Eleições (CNE) que deu victória ao candidato do Partido FRELIMO Daniel Chapo, em cerca de 70,67%, viria a suscitar uma onda de revolta. VM7 convocou manifestações pacíficas e paralisação geral do país, como uma forma de pressionar as instâncias competentes e ao actual governo à reposição do que denomina de verdade eleitoral. As manifestações convocadas por VM7 são inéditas. Na história de moçambique, não há registo de paralisação do país na dimensão que se está a verificar.
As manifestações que se pretendiam pacíficas, acabam em situações de violência. Há registo comprovado (através de vídeos e fotografias) das acções de violência protagonizados pela polícia, que procura inconstitucionalmente limitar o direito à manifestação que é consagrado pela Constituição da República. O gás lacrimogénio, balas de borracha e balas reais são os mecanismos usados pela polícia para dispersar os manifestantes que em jeito de autodefesa e retaliação, bloqueiam as ruas, as estradas e principais avenidas, com barricadas, queima de pneus e arremessamento de pedras.
A violência é condenável. A democracia pressupõe tolerância, coexistência, não obstante às diferenças políticas ou em relação às visões do mundo. Não se pode conservar a indiferença num cenário em que vidas estão a ser ceifadas continuamente.
Há muitas linhas de discussão em volta deste assunto. Tenho acompanhado várias discussões. Vários apelos ao diálogo têm sido apresentados por organismos da sociedade civil, associações profissionais, médicos, escritores, advogados, entre outros. Um grupo de intelectuais e activistas que actuam em diferentes áreas, propõem a realização de uma conferência nacional para que os moçambicanos enquanto moçambicanos, discutam e projectem o tipo de Moçambique que represente as suas aspirações, os seus sonhos, conforme as visões do mundo, verdadeiramente aglutinadoras.
Contrariamente a estes esforços, não há sinais concretos de disponibilidade de abertura para o diálogo por parte do governo. Este, toma as manifestações como um evento de marginais, de bandidos de bairros, de «moluenes» sedentes de alimentar distúrbios. Infelizmente há muita desinformação, fake news, que instauraram a guerra de narrativas. Os canais de televisão apresentam um jornalismo tendencioso, pró-governo de então. É verdade que há infiltrados, indivíduos que se aproveitam das manifestações para cometer crimes ligados à sabotagem, aos saques, ao roubo às lojas e supermercados.
A marginalização não é o caminho para resolução da actual situação. Na verdade, o país está nestes caos em virtude de acções de exclusão social. Não se trata de escolher um lado, mas de reconhecimento de que as instituições carecem de ser revestidas de moralidade e independência de forma que mereçam a confiança dos cidadãos. As instituições devem ser capazes de resistir aos poderes dos indivíduos e grupos de indivíduos, quer sejam partidos, associações ou outro tipo de organizações. Mas para que isso aconteça é necessário que se opere uma verdadeira separação dos poderes. Há que garantir que nenhum indivíduo disponha do controlo dos poderes legislativo, executivo e judicial.
A verdade que seja dita, nesse momento, os «moluenes», autrora «vândalos» são a última resistência à ditadura, ao modelo de governação anti-democrática e encontraram no VM7, um porta-voz. São os empobrecidos aos longo destes anos, os que sofrem com a violência da fome, que mata mais do que o HIV-SIDA, a malária, a COVID-19, o gás lacrimogénio e as balas verdadeiras, juntos, que estão a dizer um peremptório basta. Os «moluenes» são todos moçambicanos e moçambicanas que carregam sobre os seus ombros o peso das dividas ocultas, dos empréstimos feitos pelos amigos de Boustani, sem acesso a saúde, educação, emprego, habitação, em suma, aos direitos fundamentais. Tendo descoberto a sua força, esses não irão desistir porque nada têm a perder. Mesmo que seja 20%, são moçambicanos e suas inquietações precisam de ser ouvidas e tomadas em consideração. Por que é que a morte deve anteceder ao diálogo? Quantos moçambicanos e moçambicanas precisam morrer para que haja uma «contagem técnica e não política» dos votos depositados nas urnas? Por que é que até então ainda não foram processados os verdadeiros prevaricadores, a CNE e o STAE? Moçambique pertence aos moçambicanos e moçambicanas. Os privilégios de uns não podem representar a miséria de muitos.
Que os «moluenes», a resistência, sejam ouvidos.
Que haja diálogo, que grasse a paz e a unidade dos moçambicanos.