Por: Omardine Omar*
Estas denúncias surgem em resposta ao assassinato frio e cruel de manifestantes e de pessoas que muitas das vezes não estão nas manifestações que já paralisaram o País há mais de duas semanas, tendo até segundo dados de várias organizações não-governamentais provocado a morte de mais de 30 pessoas, entre crianças, mulheres grávidas, jovens e adultos.
Entretanto, numa altura que as manifestações já se encontram na quarta etapa, eis que o Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael disse à imprensa na noite da terça-feira (12.11) que caso seja para ir ao Tribunal Penal Internacional (TPI) iremos todos nós, urge-nos enquanto “Integrity Magazine News”, emprestar o nosso estilo investigativo, informativo e formativo para explicar como funciona o TPI e se Moçambique faz parte dos signatários da convenção de Roma que fundou o organismo.
Nesta perspectiva, afinal o que é o Tribunal Penal Internacional (TPI)?
Dados colhidos pela “Integrity” em sites especializados e especialistas de direito internacional que preferiram explicar em off the record, indicam que a origem do Tribunal Penal Internacional (TPI), também conhecido como Tribunal de Haia, está no Estatuto de Roma, elaborado durante uma conferência na capital italiana em 1998.
Conforme apuramos, o documento apresentou os termos para a criação de um tribunal internacional permanente e independente que fosse responsável por julgar e prevenir crimes internacionais de grande gravidade, isto porque desde o final da Segunda Guerra Mundial, a diplomacia internacional via a necessidade de criar um Tribunal Internacional que julgasse crimes de grandes proporções contra a humanidade.
Na ocasião, ao terminar a conferência, 120 países aprovaram a criação do TPI. Sete nações se opuseram ao estatuto, nomeadamente: Qatar, China, EUA, Iêmen, Iraque, Israel e Líbia.
Na conferência, a Rússia chegou a ratificar o Estatuto de Roma, mas posteriormente retirou sua assinatura. Sendo assim, o governo do presidente russo, Vladimir Putin, não teria que cumprir uma possível sentença contra ele proferida pelo Tribunal, já que o País não faz parte do TPI.
O órgão passou a funcionar em 1º de julho de 2002. Ele investiga e, quando justificado, julga indivíduos acusados dos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crime de agressão.
O TPI trabalha de maneira independente da ONU e suas decisões podem ser cumpridas em 123 países.
Formado por 18 juízes de diferentes países, o órgão é uma das principais entidades ligadas ao direito internacional, sendo responsável pelo julgamento de quatro tipos específicos de crimes que violam os direitos humanos:
v Contra a humanidade;
v De guerra;
v De genocídio;
v E de agressão.
Segundo um levantamento feito pela “Integrity” nas páginas e sites oficiais da Instituição, constatamos que a actuação do Tribunal Penal Internacional normalmente acontece em último recurso, quando o Judiciário de determinado País falhou em analisar um crime grave e ao não promover a Justiça.
No entanto, a actuação do TPI tem como pressuposto respeitar a soberania de cada nação. Sendo assim, o Tribunal de Haia só passa a analisar uma denúncia quando há evidências claras de que os tribunais nacionais falharam, seja por incapacidade, omissão, falta de interesse político ou negligência.
De qualquer forma, casos analisados pela Justiça do País de origem também podem chegar ao TPI, embora as chances de a acusação ser admitida sejam pequenas.
Quando uma denúncia é aceita pelo colectivo de juízes do TPI, o crime não prescreve. Por esse motivo, um processo aberto em Haia vai ter seu julgamento independentemente do tempo necessário para isso.
Além disso, o colectivo de juízes do TPI pode julgar cidadãos de qualquer parte do mundo, desde que seja procurado pelo organismo e esteja dentro de um dos 123 países que aceitaram de maneira voluntária a jurisdição do Tribunal e ratificaram a criação da Instituição.
De acordo com o levantamento feito pela “Integrity”, entidades da sociedade civil, autoridades governamentais e outros grupos também podem enviar queixas ao TPI.
Após a apresentação, as denúncias passam por uma avaliação de admissibilidade. Em seguida, em caso de confirmação de que se trata de um crime grave julgado pelo Tribunal, o processo é encaminhado a um procurador, responsável por decidir pelo arquivamento ou recebimento.
A avaliação do procurador costuma ser minuciosa e visa reunir provas para verificar se os tribunais nacionais foram omissos. Um processo no TPI pode demorar anos para receber uma sentença.
Sentenças decretadas em Haia
Segundo apuramos, desde a sua fundação, o Tribunal Penal Internacional analisou ao menos 30 casos, que contam com dez condenações e quatro absolvições. Além disso, os juízes do Tribunal emitiram pelo menos 35 mandados de prisão, e 17 pessoas foram presas no Centro de Detenção de Haia.
Conforme aferimos, sempre que há uma sentença, ela deve ser cumprida no País de origem do indivíduo julgado. Sendo, assim conheça algumas das condenações mais notórias do TPI:
v Thomas Lubanga: foi o primeiro condenado desde a criação do Tribunal de Haia. Sua sentença foi proferida em 10 de julho de 2012 após oito anos de processo. Foi condenado a 14 anos de prisão por liderar um movimento rebelde na República Democrática do Congo e recrutar crianças menores de 15 anos para lutar em conflitos armados na região;
v Germain Katanga: condenado a 12 anos de prisão em 2014 por liderar um ataque que resultou no massacre de um povoado da República Democrática do Congo em 2003. Katanga foi acusado de crimes contra a humanidade;
v Bosco Ntaganda: recebeu a pena máxima de 30 anos de prisão por crimes de guerra e contra a humanidade por sua actuação na guerra civil do Congo. O ex-general da República Democrática do Congo recebeu ao todo 18 acusações por crimes como estupros e assassinatos;
v Ahmad al-Faqi al-Mahdi: condenado a nove anos de prisão em 2016, o professor Malês foi acusado de crimes de guerra por destruir santuários sagrados, prédios históricos e construções religiosas. Tinha ligações com o grupo fundamentalista islâmico Anser Dine, aliado da Al-Qaeda.
Processos em andamento
Caso Putin
Em 17 de março de 2023, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão para o presidente russo Vladimir Putin e a comissária presidencial para os direitos das crianças russa Maria Lvova-Belova em virtude da deportação ilegal de crianças ucranianas durante a invasão russa da Ucrânia em 2022. Em resposta, a Rússia iniciou uma investigação penal contra o procurador-chefe e três júris do Tribunal Penal Internacional. Segundo a Justiça Russa o TPI tomou uma decisão ilegal. A China, que não reconhece o TPI e é aliado da Rússia, condenou a decisão do Tribunal Penal Internacional.
Putin foi o primeiro chefe de Estado de um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU a ser alvo de um mandado de prisão do TPI. A Rússia retirou a sua assinatura do Estatuto de Roma em 2016 e, portanto, não reconhece a autoridade do TPI, que consequentemente, não tem autoridade nesse país. No entanto, Putin pode ser acusado por acções contra um Estado parte e contra a Ucrânia, que não é um Estado parte do TPI, mas aceita a jurisdição do tribunal desde 2014. Se Putin viajar para um Estado parte, ele pode ser preso pelas autoridades locais.
Em 4 de maio de 2023, o presidente ucraniano Zelensky visitou o Tribunal Penal Internacional e, em seguida, foi para o centro de congressos World Forum, onde deu um discurso intitulado “Não há paz sem justiça para a Ucrânia” (em inglês: No Peace without Justice for Ukraine), no qual disse que Putin será julgado em um novo Tribunal em Haia por ter cometido crimes de guerra. Portanto, em retaliação em 2023 a Rússia emitiu um mandado de captura internacional contra o procurador do TPI, Karim Khan e o juiz costarriquenho Sérgio Geraldo Ugaldo Godinez.
Caso venezuelano
Em abril de 2023, o Tribunal Penal Internacional iniciou uma investigação contra o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro por acusações de crimes contra a humanidade, como supostas execuções, prisões ilegais, estupros, torturas e desaparecimentos da população civil.
Casos pendentes
Caso brasileiro
Jair Bolsonaro, então presidente do Brasil, foi denunciado em 27 de novembro de 2019. A representação foi elaborada pela Comissão ARNS e pelo Colectivo de Advocacia em Direitos Humanos.
A denúncia afirmava que Bolsonaro incitou violência contra povos indígenas e tradicionais, enfraqueceu a fiscalização e foi omisso na resposta a crimes ambientais na Amazônia.
Portanto, o TPI tem sido acusado de apenas atacar os “mais fracos” e deixar impune os “mais fortes” como os ex-presidentes dos EUA e antigos primeiros-ministros britânicos que estiveram por trás da destruição de países como o Iraque, Líbia, Síria, entre outros.
Diante dos aspectos acima mencionados, será que Moçambique faz parte do TPI? Na investigação jornalística realizada pela “Integrity” constatamos ao nível do continente africano, os países que são membros do TPI são: África do Sul, Benim, Botswana, Burkina Faso, Cabo Verde, Chade, Comores, Congo, Djibuti, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Lesoto, Libéria, Madagáscar, Malawi, Maurícia, Namíbia, Níger, Nigéria, Quénia, República Centro Africana, RDC, Senegal, Serra Leoa, Seychelles, Tanzânia, Tunísia, Uganda e Zâmbia.
Contudo, diante deste levantamento, apuramos que Moçambique faz parte dos 41 países do mundo que assinaram, mas não ratificaram o Estatuto de Roma, razão pela qual, qualquer petição ou denúncia que possa ser submetida não terá nenhum efeito legal, uma vez que o País não ratificou o estatuto, mas os queixosos podem recorrer a outras instituições que podem aplicar sanções económicas ao País ou as figuras envolvidas nos actos bárbaros que se verificam no País, assim como pressionar politicamente para que haja respeito pelos direitos humanos que nos últimos anos deterioraram-se bastante na República de Moçambique, onde um Comandante-Geral da Polícia, assume ilegalmente o papel de Comissário Político e “declara guerra contra o povo” que simplesmente exige a reposição de um direito constitucional – o sufrágio universal (Artigo 73 da CRM) e a defesa do Estado de Direito Democrático conforme apregoa o Artigo 3 da Constituição da República de Moçambique (CRM), chegando ao ponto de chamar-lhes de “terroristas urbanos”. Quid Juris!
*[Jornalista, filo-historiador, mestrando em CP e licenciando em Direito]