Apesar da legitimidade das manifestações enquanto expressão de descontentamento popular e reivindicação de um processo eleitoral justo, os impactos económicos das paralisações são palpáveis e causam apreensão. Enquanto o direito à protestar é um pilar fundamental da democracia, os prejuízos que as paralisações de fronteiras e portos podem causar à economia de Moçambique não podem ser ignorados.
O Dilema entre Protesto e Progresso
O apelo de Mondlane para que os camionistas suspendam as suas actividades nas fronteiras pode ser visto como uma tentativa de amplificar a pressão sobre o governo. Em teoria, o sector de transportes é vital para o funcionamento da economia, e a interrupção das suas operações pode gerar um efeito multiplicador de bloqueios económicos. No entanto, as consequências para a população em geral e para a recuperação económica do país podem ser graves.
O comércio internacional de Moçambique é fortemente dependente dos portos de Maputo, Beira e Nacala. Estes portos, além de movimentarem produtos essenciais, são responsáveis pela exportação de recursos naturais como carvão e gás natural, que constituem uma parte significativa das receitas do país. A paralisação nas fronteiras pode levar a uma escassez de produtos, como alimentos e combustíveis, o que elevaria os preços e prejudicaria ainda mais o poder de compra das famílias moçambicanas.
Além disso, a instabilidade criada por essas paralisações pode afectar o ambiente de negócios. Empresas locais e multinacionais podem hesitar em investir em Moçambique, ou até retirar-se, devido à insegurança política e económica. O impacto não se limita ao sector de transportes, mas pode se alastrar à produção industrial, ao turismo e ao comércio, sectores que já enfrentam dificuldades devido à crise económica global e à pandemia de COVID-19.
Protestos com Prejuízos: A Questão da Sustentabilidade
É importante compreender que, embora o direito a manifestar-se seja fundamental, a eficácia de um protesto depende da sua capacidade de gerar soluções e não de aprofundar a crise. Quando a instabilidade política começa a afectar directamente a economia, o custo dos protestos começa a ser medido em termos de prejuízos financeiros e sociais.
Com estimativas apontando para perdas de mais de 300 milhões de dólares (aproximadamente 18,3 mil milhões de meticais) durante os três dias de paralisação, os efeitos negativos podem ser extensos. As empresas de logística, as pequenas e médias empresas, e até as famílias mais vulneráveis sentirão o impacto. Por um lado, as exportações e importações ficam comprometidas, o que diminui as receitas do Estado. Por outro, o aumento da escassez de bens essenciais e o impacto nos preços pode levar a um aumento da inflação, um problema que já é preocupante em muitas economias em desenvolvimento.
Ademais, a recente chamada para que os camionistas se juntem à paralisação pode gerar um efeito de “bola de neve”, com potenciais repercussões em várias regiões do país. O transporte de mercadorias já está a ser dificultado, o que compromete o abastecimento de alimentos e combustíveis a nível nacional. No médio e longo prazo, o impacto pode ser ainda mais prejudicial, com a desaceleração do crescimento económico e uma maior dificuldade de recuperação face à crise.
O Desafio da Política Moçambicana: Entre Legitimidade e Desafios Sociais
Do ponto de vista político, é evidente que a situação exige uma solução que vá além das manifestações e da retaliação económica. O descontentamento de grande parte da população moçambicana é legítimo e não pode ser ignorado, especialmente se considerarmos as acusações de fraude eleitoral que têm sido levantadas. A transparência no processo eleitoral e o reconhecimento da vontade popular são fundamentais para a estabilidade política e a confiança nas instituições.
No entanto, é preciso questionar se as paralisações, embora legítimas em termos de protesto, são a melhor forma de promover essa mudança. Embora as manifestações possam pressionar o governo a dialogar, os custos económicos podem prejudicar as pessoas que mais necessitam de estabilidade e crescimento para melhorar as suas condições de vida.
A solução passa, em grande medida, por um diálogo aberto entre as partes envolvidas. O governo moçambicano precisa de procurar uma solução política pacífica, que contemple a revisão dos resultados eleitorais, se necessário, e que envolva todos os partidos e a sociedade civil. Por sua vez, a oposição deve entender que a instabilidade económica e social não beneficia ninguém, especialmente em um país que já enfrenta desafios estruturais profundos.
Conclusão: A Necessidade de Equilibrar Protesto e Recuperação
Moçambique atravessa um momento político tenso, mas não é possível ignorar as consequências económicas que as manifestações estão a gerar. O direito à contestação é inegável, mas as medidas que visam forçar o governo a tomar uma acção precisam ser cuidadosamente ponderadas, para que não se torne um “jogo de soma zero”, no qual todos saem a perder.
O apelo aos camionistas e o encerramento das fronteiras, por mais que sejam vistos como uma forma de pressionar a mudança, podem gerar um retrocesso económico que a população, especialmente as camadas mais vulneráveis, não pode suportar. É preciso encontrar um equilíbrio entre as reivindicações legítimas e a necessidade de garantir a recuperação económica do país. A única forma de avançar é com diálogo, diálogo que deve ser encarado como a chave para a verdadeira mudança, para que Moçambique possa superar a crise política e económica sem sacrificar o futuro do seu povo. – ONÉLIO LUÍS