Por Bendito Nascimento
As fases iniciais das manifestações foram marcadas por uma energia de renovação, uma vontade de libertação que ecoava nas ruas. A população, cansada da fraude eleitoral, da estagnação, da corrupção e das promessas vazias, encontrou em Mondlane uma liderança que parecia ter a sensibilidade e o compromisso de um verdadeiro representante popular. Esse foi o início de uma luta justa, com um propósito claro: questionar o poder e exigir responsabilidade.
Mas agora, com a promessa de uma quarta etapa que ele mesmo descreve como “dolorosa”, destinada a “afetar severamente a economia”, uma pergunta urgente se levanta: estamos caminhando rumo à mudança ou à autossabotagem? Se o objectivo é libertar o povo, por que fazê-lo através de uma sabotagem econômica que pode, na prática, castigar justamente aqueles que Mondlane pretende defender?
A história já nos mostrou repetidamente que os movimentos populares podem ser armas de transformação, mas também de autodestruição quando a linha entre a resistência e a destruição é ultrapassada. Em países como o Egito durante a Primavera Árabe, a luta do povo trouxe uma esperança imediata, mas, a longo prazo, deixou marcas profundas e dolorosas na economia e na vida diária. Quem pagou o preço final? O povo comum, que buscava apenas uma vida mais digna. Em Moçambique, a realidade de pobreza extrema torna a situação ainda mais delicada. Uma economia enfraquecida não atinge os altos escalões políticos com o mesmo impacto com que atinge o cidadão comum, o vendedor de amendoim torrado, a tia que vende couve, o agricultor do vale do Infulene, o professor-explicador que luta para manter sua família.
O próprio Mondlane reconhece que a fase seguinte trará grandes sacrifícios, mas será que esta “dolorosa” abordagem é a única saída? Será que o desejo de um braço de ferro contra o poder justifica o risco de empobrecer ainda mais a população que ele jurou defender? Essas perguntas nos conduzem a um dilema profundo: a coragem que Mondlane demonstrou até agora, ao inspirar o povo a se levantar, talvez agora precise ser redirecionada para uma visão construtiva, que preserve a economia e proteja o povo do colapso.
Existem caminhos alternativos? Se olharmos para outras Nações, podemos ver que os movimentos que obtiveram sucesso no longo prazo não foram aqueles que escolheram destruir, mas sim construir. Na Índia, por exemplo, Gandhi mostrou ao mundo que a resistência pacífica, sem sabotar a economia, poderia enfraquecer um império inteiro. No caso de Moçambique, um boicote econômico, que Mondlane vislumbra na quarta fase, pode dar ao governo uma desculpa para culpar a oposição pela miséria que aflige o país. Em vez de questionar o poder e pedir mudanças, pode parecer uma tentativa de afundar a própria estrutura que sustenta as famílias moçambicanas.
Sim, eu apoio Mondlane, apoio a coragem que ele demonstrou até agora e o impulso de renovação que trouxe. Apoio a causa e a ideia de um país mais justo e inclusivo. Mas também acredito que essa nova fase precisa de uma abordagem estratégica e cuidadosa. A mudança deve ser alcançada sem sacrificar a base econômica que sustenta a própria luta. Afinal, o poder que deseja ser contestado ainda estará lá, mas o povo que carrega o peso da crise não terá a quem recorrer.
Esta é uma luta justa, mas precisamos lembrar que a justiça não é medida apenas pela força, mas pela sabedoria e empatia com o sofrimento de todos.