OAM insta o Governo e os provedores dos serviços de internet a restabelecerem imediatamente

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) vem, face às actuais restrições ao acesso à internet e a outros meios de comunicação que se registam em Moçambique, no contexto das manifestações actualmente em curso no país, instar o Governo de Moçambique e os respectivos provedores destes serviços, a preservarem a neutralidade.

Mais concretamente, as referidas restrições, sem qualquer justificação publicamente conhecida, têm afectado plataformas como Facebook, WhatsApp e Instagram, dificultando o acesso e a livre circulação de informação bem como a participação activa do cidadão no debate público. Estas graves limitações ocorrem quer por via da redução da velocidade, quer do bloqueio da internet.

Este bloqueio infundado ao acesso à internet representa uma contradição do Governo que, perante a decisão recente do regulador (INCM) de aumentar as tarifas das comunicações, o Governo mandou suspender o aumento, enquanto se aprimoram os estudos, por forma a que se tomasse decisões que melhor se ajustam às demandas do mercado.

A OAM considera inaceitável qualquer forma de censura e de restrição à liberdade de expressão, direitos fundamentais consagrados na Constituição da República (CRM) e em diversos instrumentos internacionais dos quais Moçambique é signatário, incluindo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. De resto, A ONU considera, e bem, o corte ao acesso à internet, independentemente da justificativa uma violação grave ao previsto no artigo 19º, parágrafo 3º, do Pacto em referência e que foi ratificado por Moçambique através da resolução n.º 5/91 de 12 de Dezembro.

É preciso ter sempre presente que a CRM, no artigo 48º (liberdades de expressão e informação) garante a todos os cidadãos o direito à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, bem como o direito à informação (nº 1). A CRM vai mais longe, visto que declara que o exercício da liberdade de expressão compreende nomeadamente, a faculdade de divulgar o próprio pensamento por todos os meios legais, e o exercício do direito à informação. A CRM reforça, ainda, que estes direitos não podem ser limitados por censura (nº 2), sendo que no caso presente não há dúvidas do conluio do Governo Moçambicano com os diversos provedores de serviços de internet e outros, para prejudicar o cidadão no seu direito fundamental à informação e acesso à internet.

A actual limitação arbitrária do acesso à internet configura por um lado, um acto de censura e, consequentemente, uma grave violação dos direitos fundamentais. O bloqueio de plataformas de comunicação social, em particular, demonstra uma nítida intenção de silenciar vozes dissonantes e impedir a difusão de informações sobre os acontecimentos em curso no país.

Por outro lado, este cenário de limitação do acesso à internet e outras plataformas, prejudica vários negócios que dependem do acesso à internet, agravando a situação de escassez de recursos para várias famílias, para além de criar prejuízos avultados, que caberá ao Estado e os provedores arcar, tendo em conta que a todos é reconhecido o direito de exigir, nos termos da lei, indemnização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais (artigo 56º, nº 1 da CRM).

A OAM recorda que o artigo 5º da Lei das Telecomunicações (Lei n.º 4/2016) estabelece a obrigação do Estado em promover o acesso às tecnologias de informação e comunicação pela população, visando ultrapassar as assimetrias territoriais e socioeconómicas. As restrições actuais demonstram uma violação grave dos deveres do Estado, comprometendo a participação democrática dos cidadãos e a garantia de uma sociedade justa e equitativa.

O Estado de Direito Democrático não se compadece com actuação arbitrária da Administração Pública. É neste contexto que o Artigo 72º da Constituição da República (Suspensão de exercício de direitos) determina que as liberdades e garantias individuais só podem ser suspensas ou limitadas temporariamente em virtude de declaração do estado de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência nos termos estabelecidos na Constituição (nº 1). E que sempre que se verifique suspensão ou limitação de liberdades ou de garantias, elas têm um carácter geral e abstracto e devem especificar a duração e a base legal em que assenta (nº 2). Dado que Moçambique não se encontra actualmente em nenhumas das referidas vicissitudes, e nem há necessidade de progredir para esse sentido, é injustificável a actual limitação e bloqueio no acesso à internet.

A Constituição da República e o Estado de Direito Democrático estão à prova. É neste momento que é preciso honrar o compromisso e o juramento de respeitá-los. Uma das formas de fazê-lo é respeitando as mais elementares liberdades de expressão e informação, conquistados através das lutas dos povos.

A OAM insta o Governo Moçambicano e os provedores destes serviços a restabelecerem de imediato a internet, veículo de comunicação indispensável na era digital em que Moçambique vive, sem quaisquer condicionalismos. Ademais, a Ordem dos Advogados de Moçambique está a trabalhar no sentido de interpelar o Regulador a se conformar com a lei. Não está excluído o desencadeamento de acções judiciais urgentes e outras cabíveis para o restabelecimento dos direitos (humanos) dos consumidores brutalmente violados, sem qualquer justificação. É grave esta violação que demonstra que se os tempos mudaram, alguns processos persecutórios e de intimidação mantêm-se vivos e presentes em momento de maior reivindicação de direitos de cidadania. (POSICIONAMENTO DA OAM)

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