Por José Guambe – [email protected]
Por que é que me ocorrem esses pensamentos? Não tenho certeza. Pode ser que seja ansiedade. Talvez não! É possível que se trate da falta de confiança. A verdade é que hoje enquanto moçambicanos e moçambicanas, somos solicitados a acorrermos às urnas para, no cumprimento de um dever e responsabilidade cívica, participar na solenidade da democracia, na eleição dos nossos representantes na esfera presidencial, nas assembleias legislativa e provincial. Colocamo-nos em procissão, a caminho das urnas com os escândalos mal resolvidos das últimas eleições autárquicas e das assembleias municipais, com os casos de fraudes, de perseguições política e divergências em volta das competências dos tribunais distritais no julgamento dos ilícitos eleitorais. Há municípios que foram arrancados das mãos dos legítimos vencedores, profanando a sacrossanta vontade popular. Há falta de confiança nos órgãos de administração eleitoral, afinal de contas, são os mesmos que se saíram mal na fotografia e chancelaram todo os géneros de manipulações inconfessáveis. Não há tranquilidade que esta máquina possa estabelecer no respeito pela vontade popular, se não o sentimento de que “o que aconteceu ontem, pode voltar a acontecer hoje”
Mais de que uma ocasião para a celebração da democracia, momento de responsabilidade e de decisão sobre o futuro, se entendido como marcha rumo a um destino desejado, converteu-se numa ocasião de sementeira de incerteza. Talvez seja por isso que nesta manhã revisitei a infância. Me dei conta do nosso gosto pelo futebol. Limitados pela pobreza, não tínhamos bolas convencionais e recorríamos aos improvisos. Fabricávamos as nossas bolas, com recurso a plásticos e restos de panos e tecidos. Produzíamos o nosso famoso “xingufo” e na medida em que o tempo iam passando, aperfeiçoávamos os seus processos de produção, mediante a nossa criatividade. Dentro dos nossos grupos, foram emergindo crianças que iam tornavam-se habilidosas.
A primeira bola de verdade que jogamos foi de Danito. O pai deste trabalhava na Djoni ou na célebre Terra do Rand. A sua condição lhe permitia comprar todo o tipo de brinquedos, para o seu amado filho. Embora não soubesse jogar, Danito era o dono da bola. Quando nos reuníamos para a formação de equipas, mesmo que fosse “moleza”, Danito deveria ser o primeiro a ser alinhado, se não, não haveria jogo, sim não haveria pelos menos, com a sua bola.
Danito, por ser dono da bola, armava-se em árbitro e jogador, simultaneamente. Todos sabíamos que aplicar uma finta no Danito, ou uma bela jogada que resultasse em golo contra a sua equipa poderia acabar com o jogo. Fazer-lhe uma entrada dura, nem pensar, deveria por todos passar. Por ser dono da bola, Danito decidia sobre todos os aspectos do jogo, se fosse necessário, inventava novas regras para beneficiar a sua equipa. Danito fazia todas estas coisas, afinal era o dono da bola. Enquanto dono da bola, Danito se esquecera que não era o dono do jogo, do campo nem dos jogadores. Quando conseguimos uma bola, o reino de Danito chegou ao fim. Ai compreendeu que existiam as regras que deveriam ser respeitada e que não era dono do jogo, apenas de uma bola.
Durante a campanha eleitoral, ouvimos posições que demostravam a confusão que existe, no seio de alguns moçambicanos, inclusive com estudos superiores, na compreensão das linhas de separação entre o partido e o Estado. Também há ignorância entre o princípio da separação de poderes, como fundamento do Estado democrático de Direito. Há Danitos à solta. Há indivíduos que andam por ai a pensar que são donos do país, por isso, devem necessariamente governar. É em suma dever de todos manter os Danitos sobre o controlo. O facto de estarem a governar o país a 49 anos não quer dizer que sejam donos, dos bens dos Estado. Os recursos do país são bens de todos os moçambicanos e moçambicanas, sem excepção baseada por qual coisa que seja, sobretudo a cor partidária.
Esta incerteza pode estar relacionada ao receio pelo que poderá acontecer no período pós-eleição, quando os Danitos, que são árbitros e jogadores perceberem que sofreram golos na sua baliza e acabaram perdendo o jogo. A assombração levanta-se quando se tem presente que os Danitos controlam todos os poderes de Estado. A verdade é que não haverá justiça no jogo enquanto Danito jogar e arbitrar.
Maputo, 09 de Outubro de 2024






