Por: Juvêncio Nguenha (Historiador e politólogo)
INTEGRITY – MOÇAMBIQUE, 02 de Setembro de 2022 – O continente africano mereceu atenção especial de vários estudiosos interessados em analisar as causas e duração dos conflitos, por ser um campo de incidência cíclica de conflitos externos e internos. Tendo constatado que os conflitos tendem a ser frequentes em Estados fracassados (fraca capacidade institucional e falta de legitimidade política dos gestores públicos), fraca implantação do modelo económico de desenvolvimento e de modernização.
A globalização também instiga os Estados à construírem um sistema moderno, transparente e eficaz num curto espaço de tempo seguindo padrões internacionais que os ocidentais só alcançaram depois de muitos séculos. No entanto, a diversidade étnica e religiosa é considerada como sendo um dos factores de conflito em África e os recursos minerais (sua partilha) como responsáveis pelo agravamento de tensões (e não do início nem do término) (Hegre, 2004).
Nesta esteira, assistiu-se que vários países africanos logo após às independências se viram mergulhados em conflitos político-militares cujo cessar-fogo dependeu de acordos e implementação de reformas institucionais, aliadas às políticas e ditames democráticos (multipartidarismo, eleições e poder de voto).
A condição tomada para solução de conflitos foi a alteração das Constituições com vista a adequar às exigências da onda das “democracias das eleições”. Essas eleições podem derivar no seu processo conflitos de interesses relacionados com a distribuição de poderes ou de não-aceitação dos resultados, possibilitando condições favoráveis para a eclosão da violência (Kotzé, 2002).
No caso de Moçambique, o fim da guerra (militar) foi visto com muita euforia, como alicerce da implantação da democracia e construção de uma paz duradoura, sem vencidos nem vencedores com vista à partilha do poder e trilhar para a exploração dos recursos económicos disponíveis no país e para o desenvolvimento sustentável. Todavia, a paz não prevaleceu conforme as expectativas do Acordo Geral da Paz de 1992, apesar do multipartidarismo e ciclos eleitorais aparentemente democráticos, se assistiu à um conflito político incessante entre o partido dominante e os partidos da oposição devido primeiro, à falta de clareza sobre os consensos havidos no capítulo sobre a desmilitarização e integração dos homens da RENAMO após a guerra; segundo a prevalência da tendência de abocanhar todo poder económico e político sem dividir com os outros partidos (tão pouco com a RENAMO), isso talvez pela história do surgimento de cada partido (dependência de trajectória) e prevalência do conflito e desconfiança política: Ossufo Momade desarmado por meios políticos e Mariano Nhongo também repudiado politicamente até a morte.
Este panorama político-social denota que Moçambique vive um conflito político de disputa de poder entre os protagonistas, que se apresenta mais real nas campanhas eleitorais tendentes a ser violentas
A questão da violência e conflito político pode ser identificada a partir da implementação do Acordo Geral da Paz em 1992 com o multipartidarismo em Moçambique pressupondo uma coerção de um modelo em que provavelmente o Estado de direito ainda estava em formação, o que pode corresponder que a democracia de eleições pode ter sido um parto prematuro e a cesária em Moçambique, daí que, os partidos coabitam numa guerra fria (Rosário, 2011).
O pressuposto acima, se evidencia em acusações, perseguições, escaramuças e mortes durante e pós eleições. Sendo que, este cenário é antecipado por um discurso de fraude, abstenção, proibição de delegados de alguns partidos (oposição) para terem acesso ao acompanhamento pleno do processo eleitoral (campanhas, votação e contagem dos votos), desigualdade dos recursos materiais e financeiros entre a Frelimo e oposição, sendo a Frelimo sempre indicada como estando a fazer aproveitamento dos recursos humanos e materiais do Estado para benefício próprio (instalação de círculos do partido nos Ministérios, Universidades, Institutos, Escolas e uso tendencioso da força policial).
Todo este aparato, concorre para a rejeição premeditada dos resultados eleitorais pela oposição e confirma a desconfiança da oposição, fortalece em contra-parte o abocanhar do poder num modelo de vencedor leva tudo (winner take all), o que gera frustração aos partidos perdedores.
Os demais intervenientes do processo eleitoral “reivindicam por maior transparência, justiça e excesso ambiente de quase guerra” (De Brito, 2013). Este panorama sugere a prevalência da violência e conflito político mal gerido e sem solução a vista enquanto o interesse para satisfação das vontades de uma minoria vigorar acima da cobertura das necessidades colectivas (do povo).
No geral, estudos feitos sobre a implantação das democracias em África notam que as eleições nestes contextos se antecipam através do voto enquanto as demais instituições de Direito não estão ainda alinhadas aos ditames da democracia, pelo que, Sadiki citado por Adebanwi & Obadare (2011) dizem que “eleições estão em todo lado na África, mas a democracia ainda está a espera”.
Esta afirmação nos remete a repensar que a partilha do poder em Moçambique pressupõe mais do que o acto de eleições, a negociação entre os maiores partidos (Frelimo e RENAMO) sobre questões de estabilidade antes, durante e pós-eleições (Acordos, Acórdãos, entendimentos políticos) faz perceber que a paz é negociada e a democracia pode esperar se não satisfaz aos interesses de um grupo do partido no poder.
Estes fenómenos configuraram um ambiente político-militar de tensão, que romperam com cerca de vinte anos de paz, onde os ataques e trocas de acusações entre os beligerantes eram frequentes, havendo até restrições na circulação de pessoas, bens e cargas na Estrada Nacional número um (EN 1), no troço Save-Muxungué, devido a uma medida de bloqueio decretada pela Renamo a 19 de Junho de 2013 (De Brito, 2013).
Em relação às eleições, Toyoda (2012) considera que onde são competitivas há também maior possibilidade de ocorrência de violência dado ao investimento focado a vencer a todo custo e, os partidos no poder no geral, usam da violência física e psicológica contra os candidatos da oposição e seus apoiantes.
Pelo que, o perigo de ocorrência de violência é maior em sociedades que passaram por uma guerra e onde a democracia é nova e frágil e, quando nenhum dos partidos está disposto a aceitar a derrota, a possibilidade de violência é muito mais provável ainda (Gloor, 2005, p.284). Esta tese pressupõe a necessidade de garantir antecipadamente a existência de alguns preliminares ligados ao sistema de representação como distribuidor de poder e de recursos antes de se optar pela implantação das democracias nos Estados.
Daí que, Carother (2007) defenda que: “Estado de direito é um estado que funciona antes da democratização como condição para o sucesso”. A expectativa é de que antes da democratização é necessário que as diversas instituições do Estado de direito estejam a funcionar de maneira a satisfazer os interesses nacionais, priorizando as necessidades mais urgentes da unidade nacional, tendendo para a consolidação da paz e liberdades individuais ou colectivas e tendo políticas dirigidas para o desenvolvimento sócio-económico em vez de antecipar a democracia evidenciada em eleições caras, conflituosas e de todo violentas.
Pelo que, se adianta a declaração categórica de que as eleições em Moçambique (2023) serão conflituosas e violentas. A oposição continuará a reivindicar por eleições justas e transparentes enquanto o partido no poder estará sempre a somar vitória esmagadora. Este pressuposto tem validade porque estão organizados todos condicionantes que nos forneçam evidências mais do que suficientes para a conclusão final acima. Mais não disse!
Referências bibliográficas:
GLOOR, Anne. “Electoral Conflicts: conflict triggers and approaches for conflict management- case study Mozambique: General elections 2004” Peace, conflict and Development: An interdisciplinary Journal, vol. 7, July 2005
HANLON, Joseph. 2013ª “Sem candidatos: a Renamo firme no seu posicionamento”, Boletim sobre o processo político em Moçambique. Eleições- 2, de 17 de Maio de 2013.
KOTZÉ, Dirk 2002. Issues in Conflict Resolution. In African Journal on Conflict Resolution Accord”. pp.36-50.
LIMONGI, Fernando (1994). “O institucionalismo e os estudos legislativos: a literatura norte americana recente”. BIB, 37. Pp. 3-38
PEREIRA, João & NHANALA, Ernesto. 2004 “As eleições gerais de 2014 em Moçambique: análise de questões fundamentais” Afrimap.
ROSÁRIO, Domingos M. 2011 “Descentralização em contexto de partido ‘dominante’: o caso do Município de Nacala-Porto” in: Brito (org.) Desafios para Moçambique. 2011. Maputo. IESE. pp. 56-90.
SISK, Timothy. “Evaluating Election related violence. Nigéria and Sudan in comparative perspective” in: Dorina, Bekóe (org), 2012. Voting in fear. Electoral violence in Sub-Sahara África, Washington, USIPP. pp. 39-74
STRAUSS, Scott and TAYLOR Charlie. “Democratization and electoral violence in Sub-África. 1990-2008” in: Dorina, Bekóe (org), 2012. Voting in fear, electoral violence in Sub-Sahara África, Whashington, USIPP.
TOYODA, Shin (2012) “Competitive elections and electoral violence: an empirical investigation on Mexican Democratization”. 1990-2000.
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