Por Hélder Húngue
O aviso pouquíssimo requisitado vinha do planalto esverdeado onde o régulo Maloza e sua prole residiam. Esta era a forma comum de convocar os residentes para se reunirem junto à sombra do embondeiro.
Todos já esperavam por esta chamada para o encontro pois, há quatro noites o líder comunitário tinha viajado para a capital e dele esperavam novidades.
Em instantes, crianças, jovens e adultos achegassem-se na árvore frondosa. O local abarrotou de gente e não sobrava uma nesga de espaço para uma formiga se alojar. Pouco tempo depois, o régulo Maloza chegou ladeado da sua matilha de filhos e meia dúzia de esposas.
Entre eles, um intruso chamou a atenção dos presentes. Abundaram especulações sobre quem seria aquele senhor com roupas de lã, sapatos em bico e cabelo lambido.
Em sua primeira intervenção o régulo saudou a todos e desvendou a identidade do visitante para evitar mais clamores.
_ Este é Gulezi, fiel escudeiro de sua Excelência na capital. Ele estará connosco nos próximos dias. Fruto do meu empenho, Nwarura será agraciada pela visita do chefe máximo. Nisto, o senhor Gulezi irá auxiliar nos preparativos dessa grande festa que deve envolver toda a população.
Os opositores de Maloza perceberam que a organização desta visita iria definir a sua ascensão ou queda. Isso poderia ainda aumentar o vórtice de luxúria em que o líder do vilarejo vivia com os seus descendentes.
O plano de acção tinha sido traçado na noite anterior ao encontro. Os filhos másculos e as mulheres de Maloza iam formar e comandar agrupamentos de famílias para executar as mais diversas missões.
No início da tarde, os aldeões de Nwarura iniciaram um desusado movimento de aprovisionamento do local. Os homens mais fortes do regulado impuseram sua musculatura na retirada do lixo, busca de lenha e limpeza dos espaços de mata. Pentearam os cabelos das árvores e passaram verniz nas casas outrora empoeiradas. Construíram um palanque e com pás e enxadas nivelaram a estrada de areia batida para facilitar a circulação. Identificaram todos indigentes, sem teto e indivíduos com perturbações mentais para isolar-lhes da convivência social: cães vadios tiveram o mesmo destino. Coube aos jovens adornar a aldeia com as flores mais perfumadas, embelezar muros de vegetação, preparar dísticos e ensaiar canções de ovação à sua Excelência.
Os velhos fizeram artefactos em palha, objectos de decoração e confeccionaram pratos tradicionais de Nwarura. Os consumidores de “utxema” tiveram que ancorar a sua bebedice por pelo menos cinco dias.
Às mulheres de carne fraca foi orientado para encarcerar a libido e evitar a devassidão nas noites. Aos pastores de gado foram impostas duas missões: controlar o esfíncter dos animais para que as suas fezes não sujassem as ruas já ornamentadas para o grande dia e evitar a beberagem no rio para não poluí-lo.
Maloza orientou aos oráculos para que garantissem que só aves majestosas sobrevoassem os céus de Nwarura no dia da visita. Sua Excelência não pode levantar o queixo para observar simples pardais!
Exclamou o famigerado régulo. A sua esposa mais velha reuniu-se com todas mulheres num casebre para instruí-las: Vistam seus melhores panos e recauchutem as vossas caras trombóticas afim de não assustarem os convidados.
As oferendas começaram a chegar de toda a parte. Famílias pobres e desfavorecidas tiraram o que sobrara do seu excedente para agraciar Sua Excelência. Tinha muita mandioca, sacos de milho, amendoim e feijão. Abundava batata doce, frutas da época e arroz.
Os pescadores trouxeram as melhores iguarias que se podiam extrair da água doce. Caçadores adentraram no bosque em busca de carne nobre para ofertar ao ilustre visitante. No dia agendado para a visita, Nwarura parou literalmente no tempo e no espaço. Tudo se fez novo, desde a beleza das ruas ao requinte dos habitantes.
As crianças estavam mais quietas que um relógio sem pilhas, as senhoras tão exuberantes quanto um perú de asas coloridas. Tudo estava aposto para receber o chefe supremo. Por volta das dez horas da manhã, viu-se poeira levantando no horizonte.
Ouviram-se de longe cavalgadas anunciando a chegada da longa comitiva imperial. Assim que a escolta aproximou da posição onde o régulo Maloza encontrava-se perfilado com a sua família e membros do conselho, um finório desceu da carruagem principal e foi recebido por Gulezi. Antes de interagir com os presentes, os dois homens da metrópole trocaram impressões por algum tempo: algo errado se estava a passar.
Aquele não era sua Excelência. Certamente!
Depois da trocação, o escudeiro do dirigente virou-se à multidão dizendo:
-Meu povo, Sua Excelência não poderá vir à Nwarura, infelizmente. Ontem o seu gatinho de estimação fugiu de casa e ainda não foi localizado.
Um silêncio incomum tomou conta do lugar, ninguém assimilou de pronto o que acabara de ouvir.
Tanto esforço feito para nada.
Gulezi virou-se então para Maloza e da sua conversa saiu a seguinte recomendação:
_Sua Excelência orienta a todos para que orem pela vida e regresso do pequeno felino. Ele agradece de coração pelas ofertas depositadas para si. Sua família e o povo da capital não esquecerão do vosso gesto.
Maloza instruiu aos homens para recolherem as oferendas todas, desde a comida preparada para o banquete aos animais vivos.
Tudo foi para as carruagens e a comitiva seguiu apressada de regresso à cidade grande.
De Hélder Húngue
Você só serve enquanto estiver servindo!