Que não haja confusão, conjecturas ou ilações, aqui! Tal como os machuabos se vangloriam dos seus dotes musicais; do mesmo jeito que os macondes exaltam a sua heroicidade; da mesma forma que os rongas ou “machanganas” se apossam da marrabenta, é nessa mesma óptica que eu revejo, aprecio e enalteço as peculiaridades pitorescas da Beira. E adianto-me a dizer que não há nenhum mal nisso, pois é esta multiplicidade de cores e sabores, tons e formas, ritmos e sons, aromas e texturas que compõe o nosso multicolor Moçambique. É isso mesmo que faz de nós uma multiplicidade na unidade, onde o amor de cada um por cada parte faz-nos desejar o todo que somos. Assim, esclarecidos os possíveis futuros mal-entendidos, continuo.
Beira! Como te esquecer? Como não querer fazer parte de ti? Como não querer te conhecer? Como não se apaixonar por ti? Enfim, como não te querer? É demais, o fascínio que em ti existe! É irresistível, o aroma que exalas! E a tua aura?! Imperial, majestosa e quase-divina!
És orgulhosa, sim; devo dizer-te. Tens alta auto-estima, acrescento. Mas como não ter? Passaste por muito! Vieste de muito longe! Tens história, de inspirar até os mais incrédulos e cépticos. Passaste por muito, e venceste! E cá estás tu: irreverente, resiliente, firme, sonhadora, convencida e “dona de si”.
O teu Maquinino continua ali, no mesmo sítio, mesmo após o forte sopro do IDAI! O Mercado continua cheio de gente alegre, a vender, na fartura, as farturas da terra. A Casa dos Bicos, que não se deixa intimidar, lá está, agora mais rejuvenescida… e nem parece que já tem barbas brancas! Se aquele belo edifício fosse um funcionário público, já teria certamente sido reformado nesta “onda de reformas” que nos assola. A reabilitação da Casa dos Bicos e da “Ponte dos Cegos” foram, em parte, resultado da implantação do Parque de Infra-estruturas Verdes, que nós preferimos chamar de “Nas Madeiras”.
A Munhava, dessa, nem se fala! Quem lhe viu quem lhe vê! Gingou-nos há uns tempos com a sua famosa “Bacia”! É caso para se dizer que Munhava, de “mu nhava”, ficou apenas o nome. O Estoril, com a sua concorrida praia e brisa marinha, ainda continua a ser o centro de convergência dos jovens nos quentes finais de semana, ávidos em refrescarem-se, (re)encontrarem-se e relaxarem. A praia do Miramar ainda continua a atrair a atenção de todos, só que agora não brilha sozinha… naquela avenida, à marginal, existem outras novas atracções. Por sua vez, a Casa de Cultura, o NovoCine, o Moulin Rouge (que para nós é Morluz) e o icónico edifício dos CFM estão todos onde estavam, agora renovados, constituindo referências obrigatórias e dignos “cartões de visita” da minha cidade centenária!
E hoje, 20 de Agosto de 2024, a Beira completa 117 anos! É por isso que (a) escrevo. Escrevo para a Cidade, para os Beirenses e para todos nós, moçambicanos, pois uma cidade do nosso país continua imponente, volvidos um século e quase duas dezenas de anos! Não é pouca coisa. É muito isso, e, por isso, devemos todos nos orgulhar. Quantas almas por aqui passaram? Quantas vidas entraram neste mundo por esta “porta”? Quantas grandes ideias surgiram a partir desta cidade marginal que não fica à margem de nada? Quantas mentes que hoje dirigem diferentes sectores da nossa sociedade, incluindo sectores-chaves, foram formadas pelas emblemáticas escolas e Universidades desta urbe? A Samora Machel! Sansão Mutemba! Catedral! Nossa Senhora de Fátima! Estoril! A UP, sim, digo UP… porque a Unilicungo é outra cena. A UCM, sem falar dos extintos IMAP e INEA, entre outras referências no campo do saber!
Beira! Há muito em ti por prosear. As tuas gentes: nós! Pessoas simples, alegres e confiantes. Se não reclamamos a designação de “Terra de Boa Gente” é porque não gostamos de confusão. Até não é só isso; não reclamamos porque a Beira é mais do que isso, é “Terra de Gente Excepcional”! As suas mulheres: meigas, dóceis, encantadoras e naturalmente atraentes! Seus sorrisos, suas tranças, suas capulanas e suas simples vestes que encobrem as perigosas curvas e contracurvas e a complexa mistura de sensações que seus corpos podem provocar! Oh, já ia esquecendo! Ao falar do Estoril, esqueci-me de incluir Macuti e os outros bairros costeiros, abundantes de pescadores e suas canoas que do mar retiram os saborosos malolas, maphulas, cherechendes, magaradjes, bagres, caranguejos e outros mariscos que são presenças obrigatórias nas nossas refeições e nossos petiscos predilectos.
Beira, como te esquecer? Como não querer fazer parte de ti? Como não querer te conhecer? Como não se apaixonar por ti? Enfim, como não te querer?
René Moutinho, M.Sc. (Docente, Revisor e Escritor)