Segundo o Ministro da Economia e Finanças, Max Tonela, o acordo visa mitigar riscos, evitar custos adicionais com litígios e restaurar a credibilidade no sistema financeiro internacional. Com o acordo, o executivo diz que reduz o impacto financeiro de 1,4 mil milhões de dólares para 220 milhões de dólares.
Este é o segundo acordo extrajudicial no âmbito do caso de Londres. O primeiro foi celebrado em Setembro do ano passado com o Credit Suisse e outros credores, incluindo o Millennium Bim e UBA, que financiaram a operação da ProIndicus.
As dívidas ocultas de mais de dois mil milhões de dólares foram contraídas no último consulado do Presidente Armando Guebuza, a favor da MAM, ProIndicus e EMATUM, sem o aval da Assembleia da República (AR), órgão legislativo. O calote foi um projecto de corrupção envolvendo altos dirigentes do Estado, incluindo dos serviços secretos. Pelo menos dois ministros (poder executivo), incluindo o actual Presidente da República, Filipe Nyusi, na altura Ministro da Defesa, estão envolvidos no calote. A Frelimo, partido no poder, também beneficiou do calote, recebendo dez milhões de dólares. Entre 2019 e 2020, o Conselho Constitucional (judiciário) declarou nulas e de nenhum efeito as dívidas contraídas a favor das três empresas.
Em 23 de Agosto de 2021, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (poder judiciário) iniciou um julgamento contra 19 réus, incluindo Ndambi Guebuza, filho mais velho de Armando Guebuza, e quase todo o núcleo duro do governo de Guebuza. Quer no julgamento de Maputo quer no julgamento de Londres, os processos iniciaram com o fundamento de não reconhecimento das dívidas, porque contraídas ao arrepio da legislação nacional, com recurso a subornos para alimentar um esquema de corrupção.
Tendo em conta o não reconhecimento das dívidas, o Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD) entende que a posição do governo de entrar em negociações com os credores é contraditória e prejudica o Estado de direito democrático, sobretudo tendo em atenção o facto de que há acórdãos do CC que declaram nulos os actos relativos aos empréstimos contraídos pelas três empresas. Sendo a decisão contraditória, parece que a mesma visa proteger interesses daqueles que endividaram o Estado, com destaque para o actual Presidente da República, Filipe Nyusi.
“O acordo celebrado representa uma solução que responde à necessidade do Estado Moçambicano de mitigar riscos, tanto para o país, como em termos de custos adicionais com o processo de litígio judicial, além de reforçar o caminho para a restauração da credibilidade de Moçambique no sistema financeiro internacional”, disse o ministro da Economia e Finanças, Max Tonela, numa conferência de imprensa conjunta com o Procurador-Geral Adjunto, Ângelo Matusse.
Segundo Max Tonela, a resolução extrajudicial reduz a exposição do Estado de 1,4 mil milhões de dólares para 220 milhões de dólares, uma redução em 84% do total da reivindicação dos bancos e de 66% do capital.
O caso de Londres vai já na recta final e, de acordo com Ângelo Matusse, a sentença será lida em 17 de Julho. O governo justifica a sua decisão com o receio de perder o caso, em que, a acontecer, a responsabilidade potencial do Estado, incluindo tanto o capital como os juros, seria de cerca de 1,4 mil milhões de dólares com juros continuando a acumular-se, além de custas estimadas na ordem de 50 milhões de libras.
“O acordo extrajudicial oferece vantagens claras para o Estado, em comparação com uma decisão judicial incerta e com possíveis consequências insustentáveis para o país a curto e médio prazo. Além disso, evita recursos intermináveis e custos extremamente elevados, considerando os desafios económicos e fiscais actuais do país”, explicou Max Tonela.
Por seu turno, Ângelo Matusse explicou que o acordo não afectava as acções em curso, visando a responsabilização criminal das pessoas singulares e colectivas, nacionais e estrangeiras, cujos actos ilícitos resultaram na contração das dívidas ocultas e na emissão das garantias correspondentes, incluindo o direito de regresso que o Estado terá de exercer contra elas.
Uma decisão contraditória que parece buscar a protecção de interesses estranhos ao Estado
Este é o segundo acordo extrajudicial no âmbito do caso de Londres. O primeiro foi celebrado em Setembro do ano passado com o Credit Suisse e outros credores, incluindo o Millennium Bim e UBA, que financiaram a operação da ProIndicus.
Na altura, também com o receio de perder a causa, o Governo entrou em acordo com os credores da ProIndicus, o que, segundo Max Tonela, permitiu um perdão de 200 milhões de dólares. As dívidas ocultas de mais de dois mil milhões de dólares foram contraídas no último consulado do Presidente Armando Guebzua, sem o aval da AR nem o conhecimento dos parceiros internacionais, destacadamente o Fundo Monetário Internacional (FMI). A falta de comunicação ao FMI levou a consequências graves para o país, sendo a maior a suspensão do apoio directo ao Orçamento de Estado. Outrossim, atirou o nome de Moçambique para o descrédito internacional. Este facto levou a deterioração das condições de vida dos moçambicanos.
O calote foi um projecto de corrupção envolvendo altos dirigentes do Estado, incluindo dos serviços secretos. Pelo menos dois ministros (poder executivo) estão envolvidos no calote. Trata-se do antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang, preso nos Estados Unidos da América (EUA), em conexão com o calote, e o antigo Ministro da Defesa, Filipe Nyusi, actual Presidente da República.
A Frelimo, partido no poder, também beneficiou do calote, tendo recebido dez milhões de dólares, segundo informação prestada por Jean Boustani, sobrinho de Iskandar Safa, dono da Privinvest, no julgamento havido nos EUA. Entre 2019 e 2020, o Conselho Constitucional (poder judiciário) declarou nulas e de nenhum efeito as dívidas contraídas a favor das três empresas.
Em 23 de Agosto de 2021, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (judiciário) iniciou um julgamento contra 19 réus, incluindo Ndambi Guebuza, filho mais velho de Armando Guebuza, e quase todo o núcleo duro do governo de Guebuza, com destaque para a secretária particular, Inês Moiane, o antigo director do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), Gregório Leão, e o antigo director da Inteligência Económica do SISE, António Carlos do Rosário. Dos 19 réus, 11 foram condenados a penas que variam de 10 a 12 anos de prisão, estando o processo em recurso.
Quer no julgamento de Maputo quer no julgamento de Londres, os processos iniciaram com o fundamento de não reconhecimento das dívidas, porque contraídas ao arrepio da legislação nacional, com recurso a subornos para alimentar um esquema de corrupção. Nesse sentido, parece-nos contraditória a decisão de entrar em negociações. Sendo a decisão contraditória, parece que a mesma visa proteger interesses daqueles que endividaram o Estado, com destaque para Filipe Nyusi.
Lembre-se que em sede do julgamento nos EUA, Jean Boustani disse que Nyusi recebera um milhão de dólares por conta do seu envolvimento no calote e outros benefícios, como os dez milhões de dólares que a Frelimo recebeu. A defesa do núcleo duro de Guebuza no julgamento de Maputo sempre exigiu que “New Man”, nome de guerra de Nyusi no calote, fosse chamado ao tribunal como declarante, mas o juiz da causa, Efigénio Baptista, e a representante do Ministério Público, a procuradora Ana Sheila Marrengula, se opuseram. Mais tarde, os dois foram premiados por Nyusi.
No âmbito do processo de Londres, em que o governo exige 2,7 milhões de dólares de indemnização, a construtora naval Privinvest exigiu que Nyusi fosse parte no processo, mas o Tribunal de Recurso de Londres considerou que “New Man” tem imunidade de jurisdição nos tribunais ingleses, enquanto for o chefe de Estado de Moçambique. Mas é mesmo enquanto for chefe de Estado, posição que perde até Janeiro de 2025. A estratégia do Governo pode passar por evitar a exposição de Nyusi e do resto do grupo dos caloteiros com a divulgação de mais informação, como aconteceu nos EUA.
O julgamento, cuja sentença será lida no dia 17 de Julho, é o culminar de quase quatro anos de litígio na justiça britânica, à qual Moçambique recorreu alegando corrupção, conspiração para lesar por meios ilícitos e assistência desonesta para anular dívidas e reclamar compensação e indemnização ao grupo naval Privinvest e ao proprietário, Iskandar Safa (falecido), aos quais acusa de pagar subornos a funcionários públicos, incluindo Manuel Chang que assinou as garantias soberanas sobre os empréstimos. Para o CDD não faz o menor sentido que só agora, quando estamos a pouco tempo da leitura da sentença e depois de gastar muito dinheiro com o processo, comecem acordos pouco claros com os bancos.
Decisão prejudica o Estado de direito democrático
No seu preâmbulo, a Constituição da República de Moçambique (CRM) de 2004 diz que a Constituição de 1990 introduziu o Estado de Direito Democrático, alicerçado na separação e interdependência dos poderes. Nos termos do artigo 3 da CRM, a República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem.
À luz da doutrina, há três poderes tradicionais, nomeadamente o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Esses poderes são reconhecidos pela CRM. Dentro do Judiciário inclui-se o CC, que expediu acórdãos em que declara nulas as dívidas ocultas. As decisões do CC são de cumprimento obrigatório. Ao entrar em negociações o Governo assumiu que o Estado é culpado pelo calote, contrariando a decisão do CC.
Tendo em conta o não reconhecimento das dívidas, o CDD entende que a posição do governo de entrar em negociações com os credores é contraditória e prejudica o Estado de direito democrático na componente da separação de poderes e do império da Lei, sobretudo tendo em atenção o facto de que há acórdãos do CC que declaram nulos os actos relativos aos empréstimos contraídos pelas três empresas. Sendo a decisão contraditória, parece que a mesma visa proteger interesses daqueles que endividaram o Estado, com destaque para Filipe Nyusi. (TEXTO: CDD)