Por: Fernando Mabica
Chegado a paragem, deparei-me com a minha ex-namorada, lhe saudei e ela correspondeu com um sorriso, foi um pequeno encontro, que para ela poderia ter sido a última vez a ver a minha cara e, de certeza esta, choraria bastante e diria as pessoas, que lamentava a minha morte, dizendo “eu vi a ele, afinal estava a me despedir”.
Além dela, o dia, foi igualmente de muita troca de SMS’s, com meus amigos e familiares da minha lista telefónica que também certamente lamentariam este silêncio, provocado por uma tragédia mortal que acontecera naquela fatídica tarde da quinta-feira, 16 de junho de 2011, nessa altura pouco se usava WhatsApp, pois os dispositivos outrora usados por muitos de nós não suportavam o aplicativo WhatsApp.
As mensagens trocadas naquela manhã, tinham haver com data histórica, cujo o teor era desejar, um feliz dia 16 de junho, o dia do metical que se celebra em todo o país, data que marca o dia do massacre de Mueda, em Cabo Delgado, e do massacre de Soweto na África do Sul, ou seja, o dia da criança africana.
Então oque realmente aconteceu no tal dia! Estive eu a trabalhar numa oficina de reparação de máquinas pesadas, para quem não entende a terminologia “Máquinas pesadas” eu a explico:
Máquinas pesadas são máquinas projectadas para executar tarefas de construção, escavação, movimentação de terra, levantamento de cargas pesadas e outras actividades que exigem força e poder consideráveis.
Então, quando se aproximava a hora do almoço, estive eu juntamente com os meus dois colegas a nos fazer junto à uma pequena mesa improvisada para tomarmos o pequeno almoço, mas de repente aparece uma das máquinas com uma pequena avaria num dos pneus, daí que o Supervisor, aproximou-se à mesa e pediu para que se interrompesse o almoço e resolvêssemos o problema da máquina e, que depois haveríamos de almoçar, após a máquina ir-se embora, bom ordens são ordens, levantamos e fomos cumprir com às regras do boss, o trabalho consistia em desmontar o pneu e encher o ar, eu fui quem assegurou o cabo de ar e apontei para o pipse do pneu, muito rapidamente ouvi uma grande explosão, como se de uma bomba se trata-se, e senti o meu corpo a ser projectado para local distante, e fiquei “apagado”, apagado porque, após esse momento, eu não senti mais nenhuma dor, apenas sentia-me inanimado sem poder falar, nem me mexer, mas conseguia ouvir vozes bem longe a lamentar dizendo, “opa foi aleijado, vamos chamar o carro, opaha ele está mal rápido chamem o carro ou uma ambulância” eu havia desmaiado de facto!
Passado um tempo senti o meu corpo a ser cuidadosamente carregado para dentro de um carro, com destino ao Hospital Central de Maputo, mas nada podia fazer muito menos falar, porque eu havia desmaiado!
Mais tarde, ouvi novamente um som característico do movimento do hospital e com vozes de senhoras a questionarem “o que aconteceu com o miúdo, outra voz que se punha ser de um dos meus colegas, a responder ” foi um acidente de trabalho” novamente vozes dos funcionários do hospital a dizerem, “Levem-no para urgência por favor “.
E daí tudo parou comigo, não ouvi mais nada, era o fim da minha vida, ” já tinha morrido”…
Mas não ainda tinha mais vida, talvez o nível de desmaio era tão alto, não sei, mas já não podia me aperceber de mais nada.
Quando eram 19 horas e alguns minutos senti o braço de uma senhora no meu ombro a chamar-me dizendo “Fernando” finalmente abri a vista pela primeira vez desde as 12h, que a tragédia aconteceu, e vi uma senhora de roupa branca, era uma enfermeira!
Quando olhei para os lados vi muitas camas e muita gente deitada cada um na sua cama, a senhora disse-me para tomar comprimidos, eu questionei a ela o que teria acontecido comigo e porque estava naquele lugar, ela explicou-me que tinha sofrido um acidente de trabalho!
Eu yeah! Meu Deus, deitei-me novamente na cama hospitalar, levantei-me para casa de banho e olhei para o espelho e vi minha cabeça quase toda coberta com um gesso, voltei para minha nova residência (o quarto do hospital).
Na manhã do dia seguinte fui levado para sala de cirurgia onde fui explicado que no acidente tinha sofrido uma vista do lado esquerdo, e uma parte da pálpebra tinha sido violentamente retirado pela força do ar que aquele tubo continha enfim, finalmente já tinha “ressuscitado”.
Importa referir que apesar de todo esforço dos profissionais de saúde que vale a pena aqui reconhecer, esses homens salvaram a minha vida.
Mas, infelizmente na cirurgia muito complexa que fui submetido onde a missão era retirar uma parte do meu corpo para repor na pálpebra porque nesse acidente o meu olho ficou totalmente exposto, uma equipa liderada por doutora Mariamo Mbochana, falhou e fui submetido a uma outra cirurgia liderado por uma equipa de médicos espanhóis que estavam no país para apoiar os médicos moçambicanos, ouvi dos próprios espanhóis que a anterior cirurgia tinha sido mal feita, sendo que a tarefa deles era de corrigir.
Portanto, esse acidente mudou do paradigma também no local do trabalho, pois depois verificou-se que naquele local nenhuma condição de segurança para o trabalho que se fazia, porque segundo as regras de segurança, nunca deveria se encher um pneu sem nenhuma estrutura de bloqueio, foi imediatamente interrompida o trabalho do género e passou-se a se realizar fora em empresas especializadas para o efeito. Portanto esse foi o dia que saí e não regressei mais a casa, e escapei por um triz!