Seviciado por muitas vezes pelo Governo, Gamito tem se destacado na defesa dos direitos humanos na província de Nampula, a mais populosa de Moçambique, por isso é dos cinco activistas de direitos humanos, de igual número de continentes, que foi reconhecido pela Front Line Defenders.
No seu discurso de agradecimento, dos Santos afirmou não ser tarefa fácil ser defensor de direitos humanos num país em que muitas vezes os direitos das pessoas não são respeitados, tendo dito igualmente que algumas ameaças surgem da própria população.
“A maior parte da população é iletrada ou simplesmente analfabeta, não tem sido uma tarefa de qualquer um, pois, por vezes, é a própria população que defendes que te atira pedras, enquanto os políticos fecham suas entradas e saídas, as autoridades trabalham sob controlo dos políticos, os tribunais estão amarrados, o Ministério Público também menos faz pelo facto de que, quem os nomeia são os que estão no poder e que por conseguinte os infractores das normas que fazem o nosso estado de Direito”, explicou.
Na ocasião, Gamito dos Santos dedicou o prémio a sua família que dia-pós-dia suporta momentos difíceis de tensão, por conta da causa que decidiu abraçar.
“Nos dias em que já fomos invadidos em nossa residência, já fomos obrigados a abandonar a cidade por um ano, viver num distrito e escondidos, já vimos nossas oportunidades barradas, tendo sido condenados a viver em circunstâncias pouco que aceitáveis, já perdi emprego por acreditar nas minhas causas”, afirmou.
Natural da cidade de Nampula dos Santos dedicou, igualmente, o prémio aos seus pais já falecidos, pois, estes sempre mostraram a sua preocupação com a situação que o filho está mergulhado, por isso o maior sonho, neste caso da mãe, era que abandonasse a luta.
“Pois, era frequente ser feita torturas psicológicas por algumas pessoas que detém o poder em Moçambique, particularmente em Nampula, uma vez que haviam pessoas enviadas para amedrontar ela por minhas justas lutas e acções”, revelou.
A dedicação estendeu-se aos irmãos, jornalistas locais da província, Ordem dos Advogados, assim como todos activistas e defensores das organizações que lutam pela causa dos direitos humanos no país. Contudo não deixou de apelar a não desistência por forma a que os governantes cumpram integralmente com os seus deveres.
“E exortar que continuemos unidos e coesos por um propósito único que é a Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania. Sem fundos para materializar os nossos propósitos mas temos mostrado o quão somos capazes”, instou.
O activista social sonha com um Moçambique melhor não só para os seus filhos, mas para a população no geral, um uaís em que os direitos humanos são respeitados e colocados como prioridade na agenda dos governantes.
“Tornando um Moçambique onde, Educação, Saúde, comida, Água potável, Emprego, transporte, liberdade de pensamento e de opinião deixem de ser discursos, se tornem projectos reais e acessíveis a População”, concluiu.
Importa lembrar que no passado recente, Gamito foi torturado e encarcerado sem nenhuma razão pela Polícia da República de Moçambique fora do flagrante delito tudo porque foi uma das caras visíveis na manifestação pacifica que se pretendia fazer em Nampula em homenagem ao desaparecimento físico do Rapper Azagaia.
“Em vista dos imensos desafios que enfrentamos e das forças adversas que atacam os direitos humanos em muitas partes do mundo, pode parecer tentador perder a esperança de que é possível um mundo melhor”, disse Alan Glasgow, Diretor Executivo da Front Line Defenders, prosseguindo que “porém, estes/as corajosos/as defensores/as de direitos humanos desafiaram essa tentação, servindo como inspiração para manter viva a esperança. Eles/as dizem ‘não’ às agressões e ‘sim‘ ao optimismo – eles/as sabem que vale a pena lutar por um mundo mais justo, mais igualitário e com mais respeito aos direitos”.
“Tem sido um privilégio conhecer e passar tempo com eles/as em Dublin esta semana. Esperamos que retornem aos seus países de origem – Chipre, Honduras, Moçambique, Paquistão e Palestina – cientes de que a Front Line Defenders se solidariza com eles/as em suas respectivas lutas”.
O Prêmio Anual Front Line Defenders para Defensores/as de Direitos Humanos em Risco foi criado em 2005 para homenagear o trabalho de defensores/as de direitos humanos que, com muita coragem, contribuem notavelmente para a promoção e proteção dos direitos humanos de outras pessoas, muitas vezes com grande risco pessoal para si mesmos/as.
O Prêmio concentra a atenção internacional nos trabalhos e nas lutas de defensores/as de direitos humanos, oferecendo-lhes uma plataforma nacional e internacional para debater e promover as questões de direitos humanos que defendem. Os/As premiados/as deste ano foram selecionados/as entre dezenas de candidaturas apresentadas através de um processo seguro de nomeação pública, que foi realizado entre novembro de 2023 e janeiro de 2024.
Além de um prêmio em dinheiro e uma subvenção de proteção, os/as vencedores/as recebem apoio da Front Line Defenders sobre segurança digital e física, advocacy, visibilidade, bem-estar, entre outros.
Os/As premiados/as receberam o Prêmio numa cerimônia no Trinity College Dublin, que contou com a presença de diplomatas estrangeiros e representantes do governo irlandês, da sociedade civil e de organizações de mídia, entre outros. Parlamentares irlandeses que foram patronos/as do Prêmio incluem: Senadora Róisín Garvey, Charlie Flanagan TD, Cormac Devlin TD, Ivana Bacik TD e Sean Crowe TD.
Gamito dos Santos Carlos, um defensor de direitos humanos de Nampula, norte de Moçambique, é o diretor executivo da AJOPAZ, a Associação de Jovens pela Paz. O seu trabalho com direitos humanos tem como foco os direitos sociais, civis e políticos e a responsabilização. Gamito tem defendido a proteção de ativistas de direitos humanos e, junto com a juventude, vêm lutando por mudanças sociais significativas em sua comunidade, a fim de promover a justiça e a tomada de decisões sustentáveis por parte das autoridades. É também membro da Associação Amigos de Amurane por um Moçambique Melhor – KÓXUKHURO, e analista e Coordenador Provincial da Rede Moçambicana de Defensores/as de Direitos Humanos (RMDDH). Ele continuamente enfrenta intimidações por seu trabalho com os direitos humanos, incluindo repetidas invasões em sua casa e a perda de seu emprego, sendo que em março de 2023 foi sequestrado e torturado após organizar uma manifestação.
Para além de Gamito dos Santos, também, neste ano foram reconhecidos, pelas Américas, Muñecas de Arcoíris que é um coletivo fundado em 2008 por mulheres trans das cidades de Tegucigalpa e Comayagüela, em Honduras. Muñecas trabalha juntamente com a Associação LGTBI+ Arcoíris de Honduras com o objetivo de criar um espaço seguro para mulheres trans trabalhadoras do sexo. As integrantes das Muñecas começaram como voluntárias da Associação Arcoíris, onde se conscientizaram da situação enfrentada por pessoas trans em Honduras. Com o apoio da Associação Arcoíris, as integrantes das Muñecas receberam treinamentos sobre seus direitos como pessoas LGTBI+. Em seguida, começaram a documentar as violações de direitos humanos especificamente contra as mulheres trans em 2006 e, dois anos depois, em 31 de outubro de 2008, o coletivo foi formalmente criado como uma organização de mulheres trans. A maioria de suas integrantes são trabalhadoras do sexo, trabalhadoras informais, estilistas, empregadas domésticas, dentre outros trabalhos. Pela Ásia e Pacífico, Sammi Deen Baloch é uma defensora de direitos humanos de Mashkai, distrito de Awaran, da província de Baluchistão no Paquistão. Ela é a Secretária Geral da Voz para as Pessoas Desaparecidas de Baloch (VBMP), uma organização não governamental que representa e apoia as vítimas e parentes de desaparecimentos forçados no Baluchistão. Em junho de 2009, aos 10 anos, o pai de Sammi, o Dr. Deen Mohammed Baloch, foi vítima de desaparecimento forçado em Khuzdar, Baluchistão. Ela começou a fazer uma campanha implacável pela libertação de seu pai, o que a levou a se envolver com a luta coletiva contra os desaparecimentos forçados no Baluchistão por parte do Estado. Pela Europa e Ásia Central (Chipre), Doros Polykarpou que é um eminente defensor de direitos humanos e membro fundador do KISA (Movimento pela Igualdade, Apoio e Antirracismo). Ele é especialista em questões de migração, asilo, discriminação, racismo e tráfico no Chipre. Por mais de 27 anos, ele vem se dedicando à defesa e promoção dos direitos das pessoas migrantes e refugiadas, bem como ao combate à discriminação e à xenofobia no Chipre, inserido no peculiar contexto sócio-político da pequena nação insular com forte conservadorismo. Isso expôs tanto ele como a organização a reações violentas e, no início deste ano, o escritório da KISA foi alvo de um ataque a bomba. E pelo Oriente e Norte de África Gaza, Palestina), Não Somos Números (We Are Not Numbers – WANN) que é um projeto palestino sem fins lucrativos liderado por jovens, que foi estabelecido na Faixa de Gaza em 2014 com o objetivo de contar as histórias do cotidiano de milhares de palestinos/as. Sua visão é disseminar vozes e narrativas palestinas, com base no respeito aos direitos humanos por meio do trabalho pacífico e não violento de jovens líderes palestinos/as. Quando o cofundador Ahmed Alnaouq perdeu o seu irmão de 23 anos, Ayman, durante um ataque militar de Israel contra a Palestina no verão de 2014, ficou devastado e mergulhou em uma profunda depressão da qual pensou que nunca sairia. Durante esse tempo, ele conheceu a jornalista estadunidense Pam Bailey, que o incentivou a celebrar o legado de seu irmão escrevendo uma história sobre ele. Como muitos/as jovens em Gaza, Ahmed estava se formando em literatura inglesa para melhorar suas habilidades linguísticas. Pam publicou a história em um site de notícias do Ocidente, cujo sucesso foi além das expectativas. Ahmed e Pam perceberam que escrever a história tinha sido terapêutico para ele, e que isso poderia ser feito em uma plataforma muito maior.
A Front Line Defenders é uma organização internacional de direitos humanos fundada em Dublin em 2001, com o objetivo específico de proteger defensores/as de direitos humanos em risco (DDHs). Para obter mais informações sobre os riscos enfrentados por defensores/as de direitos humanos, consulte a Análise Global da Front Line Defenders 2023/24 publicada na semana passada – é o panorama feito pela organização detalhando as violações enfrentadas por defensores/as de direitos humanos em todo o mundo. (JORNAL IKWELI)