Por josé Guambe – [email protected]
Voltando à sua comunidade de origem, Ti-Boaventura, caminhava com orgulho. Pensava para com ele, os portugueses gostam de mim, tanto quanto me deram uma alcunha. Va putukesi va ni dunda, va khona ngani Burruane – Proclamava nos seus círculos de bebedeira o taté-Burruane.
É uma controversa. Burro remete à ignorância, mas ti Burruane é um homem lúcido e esperto nas coisas da vida. Entre conversas, apresentou-me o quadro dos assuntos da família, a doença da tia Ildane; a situação política do país e os perigos de apego exacerbado ao poder, talvez por medo da perda das imunidades para não responder a iminentes e pendentes processos, ou mesmo para não largar a barriga, à margem dos banquetes de exploração dos recursos naturais e minerais de que este país dispõe; e o terrorismo em Cabo Delgado não ficou de fora.
Em tudo quanto falamos, o prato principal, foi o decurso dos projectos de desenvolvimento, realizados no continente africano e em Moçambique, por diversos autores. Contam-se governos (nacionais e estrangeiros), organizações da sociedade civil, organizações não governamentais (ONG´s).
O pano de fundo do trabalho desenvolvido por estas organizações aparece revestido da expressividade «ajuda». Mas para Ti Burruane, a ajuda destes, é uma ajuda que não é ajuda, porque verdadeiramente não ajuda. – Filho esta ajuda não é autêntica – Afirmou repetidas vezes enquanto discutíamos o assunto, «é uma ajuda que não ajuda».
Estas organizações, partem-nos as pernas e nos oferecem muletas e depois proclamam bem alto que nos estão a ajudar. Esta é uma ajuda que nos custa os recursos da terra e sangue de gente que é a nossa – depois de um longo e profundo silêncio – ti Burruane rematou – filho estas organizações são prolongamento do imperialismo já actualizado, revestido com sofisticadas armas e de alcance preciso, o que marca uma viragem nos seus modus operandi.
O colono de outrora é o doador e parceiro de hoje. Mudou a nomenclatura, mas a filosofia é a mesma. É o benfeitor que promove projectos de desenvolvimento para ajudar os pobres dos «países pobres» quando os seus pobres jazem na miséria.
Esta ajuda aos pobres, enriquece os ricos dos países ricos e por consequência tira a barriga da miséria dos antigos combatentes, libertadores, promovidos a uma cultura «pequeno-burguesa».
Os recursos da terra, meu filho, as riquezas são uma ameaça quando estamos dispostos num mundo em que ouvimos continuamente, mesmo que no fundo, bem camuflado, o rugido do leão do imperialismo, disposto a devorar os pobres em nome dos seus privilegiados interesses. Menos atentos, as riquezas podem nos empurrar à barbárie, ao terror, à morte, tal como acontece em Cabo Delgado – são os neocolonizadores a fazerem a partilha do País da Marrabenta, tal como foi partilhado o Berço da Humanidade em Berlim entre 1884 a 1885.
Confesso que aquele diálogo com o Ti Burruane não era diálogo, aquilo era verdadeiramente uma oração de sapiência. Empurrava o meu entendimento a revisitar as aulas de geopolítica e relações internacionais. Recordava que na verdade não existe ajuda, mas um mero jogo de interesses, de busca de ganhos sem considerar a sorte de outro (Win Win). Vislumbrava que enquanto os ricos “ajudam” os pobres, os pobres vão ficando mais pobres e dependentes. Esta ajuda não é libertadora, mutila o pobre enquanto sujeito construtor da história.
O pobre deve dizer um basta e aceitar o sofrimento que liberta – Penso que há razão nesse pensamento de Ti-Burruane.