Por Álvaro Fausto Taruma
Em 15 de junho de 2023, a edição online do jornal O País trouxe à luz a notícia do triunfo de Nick Rosário, autor moçambicano, no Prémio Literário 21 de Agosto – 2022, com a sua obra “As Mãos do Medo”. Nick do Rosário não apenas conquistava o reconhecimento do júri, mas também a promessa de uma remuneração financeira no valor de 100 mil meticais. O anúncio foi feito com pompa e circunstância, destacando não apenas a conquista do autor, mas também a importância do prémio para a cidade de Quelimane e sua cena literária. No entanto, nove meses se passaram desde que o vencedor foi anunciado e nenhum valor entrou na sua conta.
Se a espera de Nick do Rosário é longa, ligeiramente mais longa é a dos membros da mesa de júri que se encarregaram da parte mais difícil deste trabalho de selecção e apuramento, que não só inclui o tempo perdido e o esforço de leitura de mais de uma dezena e meia de obras, mas também de valores referentes a comunicação e dados de internet, no esforço de concertação e deliberação havido nas vésperas, uma vez que os encontros eram mantidos online, entretanto até hoje nem água vem nem água vai no processo de pagamento prometido na altura do convite para integrar a mesa. Esse incidente, que não é exclusivo ao município de Quelimane, não é isolado, mas sim um sintoma de um problema mais amplo e recorrente que afecta a comunidade literária.
Ao considerarmos que o escritor Nick do Rosário chegou a ser convidado e viajou para a Feira Internacional do Livro de Quelimane, que decorreu, tal como noticia o Mbenga Artes e Reflexões, entre os dias 17 a 19 de Agosto de 2023, onde chegou a ser fotografado com um cheque gigante simbólico, os políticos se regozijavam com o prestígio que o prémio trazia e vendiam uma imagem de integridade e comprometimento com os valores da arte, da literatura e da literacia. É importante notar que a Feira Internacional do Livro de Quelimane, que tem alguma correlação com o próprio Prémio Literário 21 de Agosto (data da celebração da fundação da cidade de Quelimane), ancora-se em figuras literárias nacionais de proa, tal é o caso do escritor Ungulani Ba Ka Khossa que era a figura homenageada na edição passada e que antes dele também foram homenageadas outras grandes figuras das artes e letras moçambicanas tais como Eduardo White e Armando Artur.
O Prémio Literário 21 de Agosto foi concebido em 2014, como parte de um memorando entre o Conselho Autárquico de Quelimane (CAQ) e a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), com a nobre intenção de promover a literatura e o livro na região. No entanto, parece que os verdadeiros beneficiários desse acordo são os políticos que usam essas iniciativas culturais como ferramentas para sua própria promoção, em vez de apoiar genuinamente os escritores locais. É importante destacar que esses prémios literários não são apenas reconhecimentos simbólicos; representam também um meio de sustento para muitos escritores, especialmente em contextos onde o apoio institucional é limitado. Ao falhar em cumprir suas obrigações, o poder executivo não apenas desvaloriza o trabalho árduo dos escritores, mas também os priva dos recursos necessários para continuar a sua prática artística de maneira sustentável. Além disso, a falta de formalidade nos contratos e compromissos, algo igualmente observado na edição de 2022 da Feira do Livro de Maputo, por exemplo, apenas amplifica a vulnerabilidade dos escritores. Ao optar por acordos informais, as autoridades deixam espaço para ambiguidades e abusos, permitindo que os direitos dos escritores sejam negligenciados e sua dignidade desconsiderada. Esse facto não seria de todo trágico se não pensássemos, por exemplo, na fraude e no roubo de votos que ocorreu em Quelimane e que por muito pouco não deixava o presidente Manuel de Araújo sem o controlo da máquina municipal, o que viria a colocar um balde de água fria neste já entristecente processo.
É fundamental reconhecer que os escritores não são apenas artistas; são também agentes de mudança e voz da consciência social. A sua capacidade de narrar e questionar o mundo ao seu redor é um recurso valioso que deve ser protegido e valorizado. No entanto, enquanto situações como as observadas em Quelimane de Manuel de Araújo e um pouco por outros municípios persistirem, a liberdade criativa e a expressão literária estarão constantemente ameaçadas.
Para reverter essa tendência prejudicial, é necessário um compromisso sério por parte das autoridades para com o respeito aos direitos dos escritores. Isso inclui estabelecer processos transparentes e formais para premiações literárias, honrar os compromissos financeiros de maneira oportuna e reconhecer o valor intrínseco da literatura na construção de uma sociedade vibrante e progressista.
Em última análise, a relação entre escritores e o poder executivo deve ser uma parceria baseada no respeito mútuo e na valorização da arte como um pilar essencial da identidade cultural. Somente então poderemos criar um ambiente onde os escritores possam prosperar e cumprir o seu papel vital na narrativa colectiva da nossa nação.