O filme versa sobre a problemática do ritual ‘‘Kutchinga’’ praticado na região sul do país, muitas vezes
direccionado às mulheres, em que as viúvas são obrigadas a manter relações sexuais com um familiar ou
alguém contactado para se “purificar” cujo objectivo é a reintegração na comunidade.
Uma das alegações trazidas em torno deste docudrama é que o ritual sirva para manter a “herança” do
falecido na família, pois as tradições do casamento indicam que a mulher que se casa “fica pertença da
família do homem”, e há que saber se os bens adquiridos pelo casal se manterão na propriedade da família
dele. Essa é a função de um ritual que continua difundido e que assume actualmente formas variadas como
a contratação de gigolôs para o desempenho da função.
O documentário de longa metragem é construído a partir de relatos pessoais de cinco mulheres e dois
homens que participaram naquela cerimónia, filmada em dois bairros periféricos da cidade de Inhambane.
Sol de Carvalho tem abordado temas de igualdade de género na sua longa trajectória cinematográfica, e
ressalta a importância de acções como a produção de filmes para o debate de político relacionado com o
género.
O realizador relata a sua experiência:
“É muito fácil condenar o ritual como um acto degradante para a mulher. Para mim e para a equipe foi
uma surpresa perceber que, por muito que se façam declarações de condenação, o Kutchinga continua a
ser amplamente praticado e muitas vezes respeitado como acto essencial de alguém que ficou viúva(o). No caso de Inhambane, apesar de alguns receios nossos sobre a divulgação dos detalhes sexuais da cerimónia,
quando passamos o filme lá, as mulheres/personagens até se queixaram que eu tinha deixado algumas
partes de fora, algo que fiz apenas por motivos de montagem e do tempo do filme. Foi impressionante como
todos os intervenientes e, também os espectadores, falaram com grande tranquilidade sobre ao assunto.
Mas, depois, percebe-se que entre as elites, parece haver “um discurso do dia e um discurso da noite” –
como dizia uma socióloga moçambicana sobre as tradições no País. E talvez por isso, na verdade, a
situação pela igualdade da mulher não avance tanto quanto seria desejável. Para mim, no caso do
Kutchinga, não basta condenar o acto … e quem nos dá o direito e impedir uma mulher de o fazer se, para
ela, essa é a única solução de assegurar a sua vida futura e a dos filhos? O que me parece é que para
eliminar uma prática de uso de corpo por razões meramente economicistas, é preciso, antes do mais criar
condições para que essas mulheres possam dizer “não!”. Só assim elas podem assumir o seu destino. Esse
é debate necessário”.
Para o realizador moçambicano, a data escolhida para estreia do filme, 07 de Março, mês da mulher, ‘‘é
mesmo para aproveitar esta ocasião para reflectir sobre o papel e a importância das mulheres na sociedade
e os constrangimentos à sua total emancipação, apesar de ser obrigação de todos valorizar e respeitar as
mulheres não apenas em datas especiais, mas em todos os dias do ano’’.
‘‘Kutchinga’’ já estreou em dois festivais internacionais nomeadamente, Festival do Barreiro, em Portugal
e no 11º Festival de Cinema Negro, em Toronto. O documentário foi também nomeado na 26ª edição do
Religion Today Film Festival e na 6ª edição do kaduna international film festival-KADIFF, na Nigéria.
Ficha Técnica
Realização – Sol de Carvalho
Produção- Promarte e Real Ficção
Produtor Local – Marieta Manjate
Produtores – Jacinta Barros e Rui Simões
Ano-2021
Duração-60′