Por: Onélio Luís/Jornalista e Youtuber
O meu primeiro ano na EJ correu razoavelmente. Podia ser melhor, mas acontece que eu ainda estava em processo de socialização com a cidade, com os meus colegas, com os professores, até com o clima, a cultura e estes fatores tiveram impacto no meu aproveitamento pedagógico.
O ano passou e já estávamos em 2013, no segundo ano de formação de curso de jornalismo. Novas cadeiras e alguns professores novos com destaque para Sabão Muvale, da cadeira de Pesquisa de Opinião (OP). Já no final do 1º ano de formação já ouvíamos sobre a cadeira e principalmente do professor da mesma, na voz dos colegas que tinham cadeiras atrasadas e os que estavam no segundo ano. Eram informações que nos “aterrorizavam” em certa medida.
A Pesquisa de Opinião (OP) lecionada por Dr. Muvale, era a cadeira que quase todos que passaram pela EJ repetiam. Para uns a cadeira era difícil e para outros o docente era exigente demais. Uma exigência que por vezes colocava em causa outras cadeiras do 2º ano. Exemplo do meu caso e de muitos outros estudantes. Eu corria o risco de reprovar a cadeira de Relações Públicas, Português e Inglês porque durante a semana era obrigado a dedicar-me mais a cadeira para entregar o trabalho a tempo e hora.
Deixe-me explicar-te o que é a cadeira! Em Pesquisa de Opinião (OP) o aluno precisava identificar um “Problema” em alguma empresa da sua área de formação e realizar um estudo que devia ter Problematização, Objectivos de Pesquisa, Objectivos Gerais, Objectivos Específicos, Hipóteses, Metodologia de Pesquisa e etc. Era na verdade uma cadeira que nos ensinava a elaborar o trabalho do fim de curso.
Nos dias que tínhamos a cadeira do docente Muvale, dos quais um deles era 2ª Feira nos 1º e 2º Tempos, o pecado que o aluno não deveria cometer nem sonhando era o de chegar atrasado. Vezes sem conta vi a justificação de doença ou de falta de transporte ser inutilizado pelo docente e consequentemente não permitir a entrada dos atrasados. Já assistimos uma colega desmaiar após lhe ser negada a entrada na sala de aulas, pelo professor Sabão Muvale, por atraso… Já assistimos um colega dobrar o punho depois de ver o seu trabalho ser chamado de “capim” e o docente não receber…
As aulas de Muvale duravam 20 minutos de lição e o restante de tempo era dedicado para papo e piadas. Os repetentes da sua cadeira eram as principais “vítimas” das suas piadas as quais muitas vezes soltava gargalhadas sozinho algo com que ele não se importava. Na verdade a maioria de alunos ficava de mau humor só de se lembrarem que tinham aulas do professor Sabão.
No final de cada aula, o docente Muvale fazia questão de nos brindar com trabalho para fazer e entregar naquele mesmo dia que tivemos as suas duas aulas. A entrega do trabalho era debaixo do prédio em que morava, lá na zona do Museu próximo ao restaurante Cristal. Era um exercício bastante frustrante para colegas que moravam em bairros um pouco distantes da cidade de Maputo, por vezes estes eram obrigados a sacrificarem as suas poucas moedas contabilizadas para chapa ou comboio de ida e volta, mas o dinheiro era aplicado na digitação e impressão de trabalho que depois no acto da entrega era devolvido por um pequeno erro de margem ou uma vírgula mal colocada. Muitos estudantes saiam do Cristal magoados e cheios de nervos. Em fim frustrados.
Quando notei que a minha dedicação a cadeira estava a impactar negativamente nas outras disciplinas, como expliquei anteriormente, decidi adiar e me dedicar as restantes. Alguns colegas que continuaram conseguiram passar a cadeira de Pesquisa de Opinião, mas nas outras caideiras tiveram um baixo aproveitamento pedagógico.
Professor Sofre Acidente de Viação
No decorrer do ano lectivo em um final de semana, o professor Sabão Muvale sofreu um acidente de viação em que teve ferimentos graves em uma de suas pernas, o que lhe forçou a ficar impossibilitado de leccionar a cadeira durante um longo período. Faltavam quatro meses para o fim do período lectivo na EJ. A notícia do acidente de Muvale se espalhou pela EJ e o facto de ele estar impossibilitado de leccionar a cadeira foi quase celebrado pelos alunos que o tinham como vilão. Para falar a verdade quase a maioria odiava o docente da cadeira de Pesquisa de Opinião.
Naquele ano, nós que desistimos da cadeira, se o arrependimento matasse já la estávamos no além, pois todos que foram até as “últimas consequências” aprovaram à disciplina com nota administrativa já que o docente estava “fora de combate”. Fazer a cadeira de Muvale era o meio caminho andado para a conclusão do curso, mas parecia missão impossível pelas razões que já expliquei anteriormente. Pelos corredores da EJ os linguarudos espalhavam informações segundo as quais, havia alguns profissionais da praça, de reconhecido mérito que desistiram da cadeira de Pesquisa de Opinião, aliás estavam a dever a sua realização facto, em parte, que servia de consolo ou motivação para quem não queria fazer.
Em algumas redações por onde passei, Muvale era tão famoso quanto a sua cadeira. Em conversas sobre a EJ era impossível não mencionar o “vilão” e a sua cadeira. Um dos meus chefes de redação em conversa confessou-me que estava a dever a cadeira há anos e que não guardava boas lembras do ano em que tentou sem sucesso fazer Pesquisa de Opinião.
Anos passaram e ouvi que o Muvale já não dá aulas na EJ e que o seu irmão é que o substituiu na leccionação da cadeira de Pesquisa de Opinião e, pelos relatos o actual professor da disciplina é diferente do antigo, uma diferença que o fez ganhar alguns elogios dos alunos. Ainda ouvi que os colegas que não tinham feito a cadeira regressaram a EJ para tentarem sair do “barulho” com o actual “teacher”. Parece fim de um filme de acção daqueles que o vilão no final é vencido e os sobreviventes comemoração o acontecimento e tudo acaba no final bem feliz.
PS: na minha opinião o docente Muvale foi um dos melhores professores que já tive apesar de não nos termos “alinhado” logo no primeiro ano que quis fazer a cadeira dele. Consigo actualmente elaborar trabalhos de final de curso e ajudo muita gente com o conhecimento que me foi transmitido pelo Dr. Sabão.