Desde o dia 12 de Outubro, o povo está nas ruas, faça chuva, faça sol. Nessa luta, o povo parece estar disposto a enfrentar tudo e todos, incluindo a Polícia que se tem mostrado um instrumento ao serviço da fraude, reprimindo as manifestações com violência, tendo já provocado 15 mortos e dezenas de feridos.
O desfecho desta crise é de previsão hercúlea. Mas há dois cenários possíveis: transcender para um caos generalizado ou retomar-se à normalidade. Tudo depende do Conselho Constitucional, qual tribunal de última instância, a quem cabe a última palavra em matéria eleitoral. A Renamo, que está a liderar as manifestações, rejeita os resultados apresentados pela CNE. Diz que venceu as eleições em 15 municípios e tem provas, por isso, só aceita a vitória ou a repetição das eleições.
Entretanto, o movimento contestatário está a ganhar uma dimensão que ultrapassa uma contenda entre partidos políticos, por um lado, a Renamo, e por outro, a Frelimo, que controla as instituições. É o povo que está a assumir
as despesas de uma luta com vista a ver a sua vontade expressa nas urnas respeitada. Outro aspecto interessante no meio desta crise política é o surgimento de vozes de dentro da Frelimo, como Graça Machel, Teodato Hunguana e Samora Machel Júnior a condenarem a fraude e a defenderem o respeito da vontade do povo.
Uma nova era política de uma Renamo sem armas e com apoio popular
Em 15 de Outubro, três dias depois da votação, e com os órgãos eleitores a consolidarem, a nível do apuramento intermédio, a fraude que teve o seu ponto mais alto na noite de 11 de Outubro e madrugada de 12 de Outubro, o presidente da Renamo, Ossufo Momade, chamou a comunicação social nacional e estrangeira ao seu gabinete de trabalho, em Maputo, para anunciar uma vaga de manifestações em todas as 65 autarquias em contestação dos resultados eleitorais que nessa altura davam vantagem ao partido Frelimo.
Foi o primeiro acto de contestação dos resultados eleitorais pela Renamo sem armas. Antes das eleições, tinha sido concluído o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR), encerrada a última base militar da Renamo e entregue a última arma. Enquanto teve armas, sempre que não concordou com os resultados das eleições, a Renamo recorreu à via armada, forçando mudanças na legislação eleitoral e na Constituição da República, como se viu na descentralização. Sem as armas, a Renamo ganhou um novo aliado para a agenda de contestação: o povo.
Há pessoas que, não tendo votado na Renamo, são solidárias para com a Renamo, incluindo de dentro da própria Frelimo. Foram as primeiras manifestações bem organizadas, pacíficas e não violentas desde o início do multipartidarismo em Moçambique. As pessoas estavam lá, debaixo de chuva e sol, protestando contra a fraude eleitoral da Frelimo e reivindicando a vitória da Renamo.
No município de Quelimane, com o seu grande histórico-cultural, as manifestações assumiram uma dimensão musical com a música “Trufafa trufafa trufafa” que, em pouco tempo, virou febre. Todos cantam e dançam ao som do “Trufafa”. Atletas, crianças em escolas e transportes escolares vibram ao só do “Trufafa”. Até em repartições públicas se escuta “Trufafa”, com a particularidade de os funcionários usarem auriculares para não sofrerem represálias, devido ao controlo do Estado pela Frelimo.
Em algum momento, acreditou-se que o tempo fosse enfraquecer o fenómeno das manifestações, mas parece estar a ocorrer o inverso. Já lá vão 30 dias e o povo continua nas ruas a exigir que o seu voto conte. (TEXTO: CDD)