No entanto, esta interpretação da lei é contestada. A lei diz que “o presidente da mesa de cada assembleia de voto comunica imediatamente à CNE a informação contida no edital”, e a lei também exige que a CNE “verifique” os números.
Além disso, sabe-se que a CNE utiliza, regularmente, os dados dos editais das assembleias de voto, e no passado tinha os editais físicos. Por exemplo, há cinco anos, em 2018, a CNE alterou as contagems da comissões distritais de eleições (CDE) em dois municípios. Em Marromeu, a CNE acrescentou 748 votos para a Frelimo, o que deu à Frelimo uma vitória de 46 votos. Em Chimoio, retirou 120 votos à Renamo, o que não alterou a estreita vitória da Frelimo. Estas mudanças foram secretas e não foram anunciadas. Só foram descobertas quando este boletim comparou os documentos dos resultados distritais e nacionais. E, os resultados das eleições nacionais, anunciados pela CNE, são sempre baseados na tabulação nacional, pelo STAE, dos dados dos editais das assembleias de voto e ignoram as apuramentos provinciais.
Um problema central é que todo o processo de apuramento da CNE é secreto. E, se existem registos de alterações, estes não são públicos. Assim, não há forma de saber nada sobre os processos de apuramento da CNE ou do STAE. Este nível de secretismo deve ser o único em democracias eleitorais. Para subscrever a edição em Inglês https://cipeleicoes.org/eng/ e a versão em português https://www.cipeleicoes.org/ Eleições 2023-2024 – Boletim Sobre o Processo Político em Moçambique 182 – 19 de Novembro de 2023.
De facto, a lei diz que “Os observadores do processo eleitoral têm o direito de … observar as operações subsequentes do processo eleitoral a todos os níveis, em particular a recolha de dados, a centralização e o apuramento dos resultados eleitorais a nível distrital, municipal, provincial e central”. (14/2018 art 210) Mas a CNE e o STAE sempre disseram que o processamento dos dados, incluindo alterações e exclusões de mesas de voto, não faz parte de “todos os níveis” e os observadores e agentes dos partidos nunca foram autorizados a ver isso. Este facto foi confirmado pelo Conselho Constitucional, a 9 de novembro de 2019.
Isto significa que todo o processo de apuramento é secreto e que o STAE e a CNE são livres de fazer as alterações que quiserem, sem dar explicações e sem mesmo tornar público o que fizeram. Esta situação foi alargada ao Conselho Constitucional (CC), que dispunha de um excelente sítio no web https://www.cconstitucional.org.mz/, no qual todas as decisões eram imediatamente publicadas.
Para este período eleitoral, pela primeira vez, o sítio do CC foi encerrado. O resultado de tal secretismo foi demonstrado durante o anúncio dos resultados das eleições nacionais de 2019. Os resultados, tal como fornecidos pela CNE, foram aprovados e anunciados pela CNE. A 27 de Outubro de 2019, este boletim assinalou que os resultados da CNE omitiam os votos da diáspora (África e Europa). O CC aprovou precisamente estes resultados como Acórdão 25, a 22 de Dezembro de 2019. A 23 de dezembro de 2019, assinalámos que os resultados da CNE, de Outubro, não tinham sido alterados e que os resultados anunciados pelo CC estavam errados e não continham a diáspora.
Por volta do dia 2 de janeiro de 2020, o CC substituiu o Acórdão 25 por um novo Acórdão 25, ainda com a data de 22 de Dezembro de 2019, incluindo os votos da diáspora para presidente, mas não para o parlamento. O boletim chamou a atenção para este facto a 5 de janeiro. No dia seguinte, 6 de janeiro, em total secretismo, o CC substituiu o novo Acórdão 25 por um terceiro Acórdão 25, ainda com a data de 22 de dezembro de 2019, incluindo o voto da diáspora para a Assembleia da República.
O secretismo era total, mas limitámo-nos a consultar o site regularmente. As três versões do Acórdão
25 estão em https://www5.open.ac.uk/technology/mozambique/general-election-2019- newsletters. Mas, para estas eleições, o CC retirou o seu sítio Web, o que garante o secretismo das alterações.
Assim, descobrir como funcionam as eleições em Moçambique significa procurar pistas. O Conselho Constitucional, por vezes, reporta informações anteriormente mantidas em segredo pela CNE. Os funcionários da CNE, ou do STAE, por vezes informam aos diplomatas e dizem-lhes coisas que não são públicas. Fazemos comparações de todos os documentos disponíveis. E os insiders falam connosco, em privado. As eleições em Moçambique são controladas por um punhado de pessoas que actuam em segredo, com total liberdade para alterar os resultados, e sem qualquer abertura ou transparência. (CIP)