Uma investigação realizada em parceria entre o CIP e o Mídia Lab (ML) expõe a verdade por detrás de um dos maiores investimentos agrícolas dos últimos 10 anos no país.
O projecto foi concebido pelo Governo de Moçambique com apoio financeiro do Banco Mundial e tem como objectivo transformar a economia rural. Este texto, a que se vão seguir outros, apresenta evidências concretas de um desvio milionário no Sustenta, orquestrado a partir do FNDS, enquanto os gestores do programa permanecem em conivência silenciosa. Além disso, revela os beneficiários ocultos do programa, indivíduos que prometeram melhorar a renda das famílias rurais, mas que acabaram se beneficiando indevidamente dessa iniciativa.
O programa Sustenta, uma das iniciativas mais destacadas do Governo de Filipe Nyusi, está cercado de transgressões financeiras que contradizem a narrativa de sucesso propagada pelo Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Sustentável, Celso Correia, nos seus discursos e aparições na imprensa.
No entanto, longe dos holofotes e da retórica triunfalista, os gestores do Sustenta têm sido responsáveis por desvios milionários dos fundos do programa, sem qualquer prestação de contas, prejudicando claramente os recursos públicos. Num destes esquemas, aproximadamente 30 consultores, contratados pelo FNDS, abocanharam cerca de 17 milhões de meticais de impostos que, nos termos da Lei, deveriam ser deduzidos dos seus honorários e repassados ao Estado. Alguns destes consultores são altos funcionários do FNDS, entidade responsável pela gestão e implementação do programa Sustenta.
O desvio foi possível por meio de declaração de impostos abaixo do montante exigido por Lei para o tipo de serviços prestados pelos consultores. Alegaram que os seus honorários eram provenientes de actividades de pequeno porte, cujo facturamento anual, por volume, deveria ser igual ou inferior a 2.5 milhões de meticais, sujeito a uma taxa de 3% de Imposto sobre Pequenos Contribuintes (ISPC), de acordo com a lei.
No entanto, documentos consultados pela equipa de investigação mostram que os honorários pagos aos consultores variam de 2.7 a 5.8 milhões de meticais anuais, acima do máximo estabelecido pela Lei do ISPC. Isso significa que os consultores deveriam ter pago o Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS), correspondente a 20% do seu rendimento anual.
No entanto, agindo à margem da Lei, e com a conivência silenciosa dos gestores do FNDS, cada consultor contratado pelo programa Sustenta pagou apenas 3% em impostos, privando o Estado de cerca 17 milhões de meticais.
O Sustenta é um programa nacional de desenvolvimento agrário concebido pelo Governo de Moçambique com o objectivo de melhorar a qualidade de vida das famílias rurais, integrando agricultores familiares em cadeias produtivas de valor.
Lançado oficialmente em 2020, após uma experiência piloto realizada nas províncias da Zambézia e de Nampula, entre 2017 e 2019, o Sustenta é financiado pelo Banco Mundial por um valor de cerca de 150 milhões de dólares, fora do Orçamento do Estado. Embora o Sustenta esteja sendo publicitado como um programa estratégico para o desenvolvimento da agricultura e uma das iniciativas mais bem-sucedidas do sector agrário nos últimos 10 anos, a narrativa de sucesso, justificada pelo crescimento histórico da produção na safra 2020/2021, contrasta com os inúmeros problemas enfrentados na gestão do programa.
Alguns desses problemas, como pagamentos indevidos por parte dos gestores do FNDS e adendas excessivas aos contratos, foram recentemente reportados pela imprensa. No entanto, uma investigação do CIP e do ML apurou que, para além dos casos já relatados, uma série de transgressões financeiras, ligadas ao Sustenta, permanecem ocultas ao público.
A evasão de milhões de meticais em impostos pelos consultores contratados no âmbito do programa é apenas um desses casos. Este texto fornece evidências detalhadas sobre os desvios milionários no programa Sustenta, orquestrados a partir do FNDS sob o silêncio cúmplice dos seus gestores de topo e do Ministério Público. Além disso, revela que o programa, concebido para transformar a economia rural, está repleto de irregularidades e vícios, contrastando com a narrativa de sucesso presente no discurso oficial.
Os corredores de um saque milionário: como consultores do Sustenta sonegaram 17 milhões em impostos
Em 2021, cerca de 30 consultores contratados pelo FNDS para prestar serviços no quadro do programa Sustenta, sonegaram aproximadamente 17 milhões de meticais em impostos. Embora uma organização da sociedade civil tenha feito menção ao caso, recentemente, não foram fornecidos detalhes sobre os montantes, as pessoas envolvidas e os contornos do esquema que privou o Estado de milhões de meticais.
Os consultores foram contratados pelo FNDS para prestar serviço em diversas áreas como procurement, comunicação, infraestruturas, transferência de conhecimento, finanças, terra e ambiente.
De acordo com documentos consultados pela equipa de investigação, os honorários anuais dos consultores neste período variam de 42 mil a 90 mil dólares norte-americanos, o equivalente a valores que variam de 2.7 a 5.8 milhões de meticais.
Por exemplo, Isménio Chitata, consultor contratado para a posição de chefe operacional do Sustenta, recebeu de honorários 5.8 milhões de meticais. Adamo Yossuf, outro consultor contratado para a posição de especialista de comunicação, chegou a facturar 4.7 milhões de meticais em honorários no mesmo período. Estes consultores deveriam pagar impostos equivalentes a 20% da sua renda anual, conforme exigido por lei.
O chefe operacional do Sustenta, por exemplo, deveria ter pago 1.1 milhão de meticais, no entanto pagou apenas 176 mil meticais. Evitou, portanto, o pagamento de mais de 1 milhão de meticais em impostos. O mesmo ocorre com o especialista de comunicação que deveria ter pago impostos no valor de 942 mil meticais, mas apenas deduziu 141 mil meticais dos seus honorários, privando o Estado de mais de 800 mil meticais em receitas.
Saques milionários semelhantes a esse ocorreram com frequência em 2021 e foram possíveis porque os consultores do Sustenta alegaram que os sus honorários estavam relacionados a actividades de pequena escala, onde o volume de negócios anual deve ser igual ou inferior a 2.5 milhões de meticais, sujeitos ao pagamento de 3% de Imposto sobre Pequenos Contribuintes. No entanto, os honorários pagos aos consultores variam de 2.7 a 5.8 milhões de meticais por ano, excedendo o limite estabelecido por lei.
Os consultores deveriam ter pago o Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS), equivalente a 20% do valor, nos termos do n°2 do artigo 57 da Lei 33/2007 de 30 de dezembro. No entanto, eles optaram por pagar apenas 3% de impostos sobre os seus honorários, apropriando-se, indevidamente, de aproximadamente 17 milhões de meticais que deveriam ter sido retidos nos cofres do Estado.
O silêncio do Ministério Público
Apesar de o esquema de sonegação de impostos ter sido detectado pelo Tribunal Administrativo (TA), em 2022, o Ministério Público, que é titular da acção penal, não moveu ainda nenhum processo-crime contra os consultores que privaram o Estado de impostos, orçados em 17 milhões de meticais, nem sobre os gestores do FNDS que encobriram o esquema.
A sonegação de impostos constitui infracção tributária e pode ocorrer de diferentes formas, como seja a omissão de bens e recursos na declaração do imposto de renda ou falsificação de informações na declaração do imposto de renda, para pagar menos, como é o caso dos consultores contratados no âmbito do Sustenta, ou simplesmente não pagar.
Com efeito, tendo o TA constatado estas infracções tributárias durante a auditoria às contas do Sustenta, deveria ter denunciado junto ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 47 da Lei 15/2002, de 26 de junho. Algumas infracções tributárias constatadas pelo TA foram cometidas com dolo, sendo aplicável a pena de prisão maior de 2 a 8 anos, nos termos do n.º 3 do artigo 4 da Lei 15/2002, de 26 de junho.
O relatório de auditoria do TA referiu que sonegação de impostos pelos consultores indicia enriquecimento sem causa, apropriação e uso indevido dos descontos e fuga ao fisco. No entanto, o silêncio do Ministério Público constitui uma verdadeira “lufada de ar fresco” para os implicados.
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