Os dois relatórios e contas tinham em comum o facto de revelarem uma gestão danosa, com requintes de
crime organizado. Os dois projectos (MOZBIO e SUSTENTA) são financiados pelo Banco Mundial e os fundos não passam pelo Orçamento do Estado, muito menos pelo crivo da Assembleia da República, o órgão representativo dos moçambicanos que irão que irão pagar a dívida.
Para a edição de hoje, o CDD analisa os resultados do relatório de auditoria feita pelo Tribunal Administrativo ao projecto SUSTENTA no exercício económico de 2020. No ano de 2020 foi desembolsado para o projecto SUSTENTA o valor de 15,3 milhões de dólares, dos quais dois milhões foram pagamentos directos do Banco Mundial e 13,2 milhões foram transferências para as contas do FNDS domiciliados no Banco de Moçambique.
Uma das questões de fundo é que os problemas de gestão constatados no exercício económico de 2020 já tinham sido levantados pelo Tribunal Administrativo em relatórios de auditoria anteriores ao mesmo projecto. Este dado mostra que o FNDS nunca levou a sério as recomendações do Tribunal Administraivo e continuou e ainda continua a esbanjar fundos públicos.
Por exemplo, o Tribunal Administraivo não encontrou evidências de que os Pequenos Agricultores Comerciais Emergentes (PACE) estejam a proceder com os pagamentos das parcelas do empréstimo concedido no valor
de 3.249.650,00 meticais, de acordo com o mapa de amortizações fornecido pelos gestores do SUSTENTA. E mais, por forma a garantir a continuidade do SUSTENTA após o término do financiamento pelo Banco Mundial, definiu-se que o projecto deve ter a sua continuidade através de um fundo rotativo proveniente dos depósitos dos reembolsos dos PACE, a serem efectuados num banco comercial.
Para o efeito, designou-se a conta do Millennium BIM – 130967170 – FNDS receitas, para posteriormente ser depositada na Conta de Terceiros do Tesouro público. Entretanto, o FNDS não procedeu o encaminhamento da
receita proveniente dos reembolsos do PACE aos cofres do Estado, situação constatada também no exercício económico de 2019.
Os gestores efectuaram a reconciliação dos valores dos depósitos dos PACE à divisão de finanças do FNDS o valor de 11.913.362,78 meticais de modo a proceder com encaminhamento ao Tesouro público. Entretanto, solicitados comprovativos do encaminhamento dos valores reembolsados dos PACE à conta do Tesouro, o FNDS anexou documentos referentes à venda de cadernos de encargos, livros guias de trânsito dos Serviços de Florestas e renda de arrendamento de instalações.
Nas palavras do Tribunal Administrativo, este facto que constitui sonegação ou deficiente prestação de informação nos termos da alínea e) n.º 3 do artigo 98 da 14/2014, de 14 de Agosto, alterada e republicada pela Lei nº 8/2015, de 6 de Outubro – “… sonegação e ou deficiente prestação de informação e ou documentos pedidos pelo Tribunal competente…”, conjugado com a alínea a) do número e artigo supra – “ a não liquidação, cobrança ou entrega nos cofres do Estado da receita devida”, passível de uma eventual responsabilização
financeira sancionatória nos termos do artigo 105, da lei supra.
Tal como constatado em 2021, no exercício económico de 2020 os gestores do SUSTENTA efectuaram pagamentos no valor total de 197.255,65 meticais referentes às despesas de compra de combustível no âmbito das deslocações em diferentes missões, sem, contudo, apresentar o respectivo documento justificativo. Situação similar foi constatada no pagamento de ajudas de custo aos técnicos no âmbito de deslocações em diferentes missões, no valor de 754 972,80 meticais, cujos processos não constam as guias de marcha.
Este facto contraria o estatuído no artigo 75 do Decreto n.º 05/2018, de 26 de Fevereiro, do Regulamento do Estatuto Geral do Funcionários e Agentes do Estado – “Após o termo da deslocação e dentro do prazo de
dias é apresentando um relatório…”, conjugado com o ponto 4.4 do Manual de Procedimentos de Gestão Financeira do Projecto “… guias de marcha devidamente carimbas….”.
Estes factos consubstanciam uma infracção financeira, nos termos da alínea j) do n.º 3 do artigo 98 da Lei 14/2014, de 14 de Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 8/2015, de 06 de Outubro – “violação de normas legais ou regulamentais respeitantes a gestão e controlo orçamental de tesouraria e de património” é passível de eventual responsabilidade financeira sancionatória nos termos do art.º 105 da mesma Lei.
Sobre os fundos transferidos para o BNI e Moza Banco
No exercício económico de 2019 e 2020, o FNDS transferiu para cerca de 1,5 milhões de dólares para o Banco Nacional de Investimento (BNI) e nove milhões de meticais para o Moza Banco supostamente para financiamento de planos de negócios dos PACE.
No âmbito da auditoria do exercício de 2020, solicitou-se a lista dos PACE financiados por via do BNI e ou a respectiva devolução dos valores transferidos, visto que foi rescendido o contrato com este banco por não ter cobertura em todos os distritos de Moçambique. Em resposta, o FNDS enviou uma lista nominal dos PACE financiados com fundos transferidos para o BNI no exercício económico 2019 e 2020.
Entretanto, analisada a lista, o Tribunal Administrativo verificou que todos os PACE constantes da mesma lista foram financiados pelo FNDS através de uma conta domiciliada no Banco de Moçambique.
Este facto consubstancia ao alcance nos termos do artigo 100 da Lei n.º 14/2014, de 14 de agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 8/2015, de 6 de outubro – “verifica-se alcance quando independente da acção do agente nesse sentido haja desaparecimento de dinheiros…”, passível de uma eventual responsabilidade financeira sancionatória e ou reintegradora nos termos do artigo 105, da lei supra.
Não obstante a constatação levantada na auditoria de 2019 relativamente ao valor transferido para o BNI, no exercício económico de 2020 celebrou-se um contrato com o Moza Banco no valor de 1.173.216.999,57 meticais para o financiamento de planos de negócios dos PACE sem que se tenha regularizado a questão da falta nos termos do Memorando de Entendimento com o Banco Mundial que não prevê transferências dos financiamentos dos PACE através dos bancos comerciais.
Solicitado o esclarecimento sobre a mudança de bancos do BNI para o Moza Banco, o FNDS esclareceu o seguinte: “O BNI é um banco de investimento, com pouca representatividade de cobertura a nível dos distritos. Com a expansão do Programa SUSTENTA de 10 distritos (Nampula e Zambézia) para um programa a nível nacional, o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural viu a necessidade de ter uma instituição financeira com maior representatividade dos distritos em todas as províncias para garantir a intermediação financeira do programa.
O Moza Banco, pela sua participação no projecto “um distrito um Banco” e representatividade de agências bancárias a nível dos distritos de implementação do SUSTENTA, assim como disponibilidade de serviços financeiros para o agro-negócio com a recente fusão com o Banco Terra, mostrou-se como a melhor opção para intermediação financeira do SUSTENTA”.
Visto que havia valores anteriormente transferidos ao BNI, os auditores solicitaram documentos de rescisão do contrato com o BNI para o financiamento dos PACE e ou documentos que esclarecem os montantes anteriormente transferidos para este banco (situação dos saldos).
Em resposta, o FNDS explicou o seguinte: “foi efectuado em abril de 2019 uma transferência dos fundos do grant do projecto Landscape para o BNI no valor de 94,919,836,00 meticais ao abrigo do memorando de entendimento assinado entre o FNDS e o BNI para o financiamento dos PACE aprovados nas campanhas 2018/2019 e 2019/2020, ao abrigo do contrato de subvenção assinado com o FNDS”.
O FNDS acrescentou ainda que o “valor foi canalizado na totalidade aos PACE aprovados através do BNI e cujos comprovativos (Lista dos PACE, ordens e/ou Boderoux de transferências) foram apresentados em resposta à nota 1 do dia 01.06.2021. Embora o FNDS tenha optado por encontrar outro Banco com maior representatividade a nível dos distritos para o co-financiamento aos PACE, o FNDS não ainda terminou o vínculo com o BNI tendo em conta que o mecanismo de Matching Grant prevê também o financiamento às empresas do agro-negócio e estas têm solicitado financiamento bancário sem a facilitação do FNDS a vários bancos comerciais da praça, incluindo ao BNI…”.
Entretanto, como constatado anteriormente, os PACE foram financiados directamente pelo projecto SUSTENTA através da conta n.º 005072601005 designada Matching Grants do Banco de Moçambique. E mais: os documentos do projecto falam de subsidiar os bancos para aplicação de taxas de juros subsidiadas às PME e não aos PACE.
O Tribunal Administrativo não tem dúvidas de que este facto constitui pagamentos indevidos nos termos do artigo 101 da Lei 14 de Agosto, de 14 de Agosto, alterada e republicada pela Lei nº 8/2015, de 6 de Outubro – “…contraprestação efectiva que não seja adequada ou proporcional à prossecução das atribuições da entidade em causa ou aos usos normais de determinadas actividades …” passível de uma eventual responsabilidade financeira sancionatória e ou reintegradora nos termos do artigo 105, da lei supra.
Financiamento a agricultores inelegíveis e pagamentos duvidosos
Para o acesso à linha de crédito do SUSTENTA, os PACE devem produzir numa área de 25 hectares de cultura de fomento, e trabalhar com 200 pequenos agricultores no raio de cinco quilómetros da sua produção. Sucede, porém, que o Tribunal Administrativo constatou, nas visitas ao terreno, que alguns PACE não reuniam os critérios de elegibilidade para beneficiar do financiamento.
Da análise dos processos individuais dos beneficiários dos fundos do SUSTENTA, os auditores constataram a ausência de documentos essenciais, como contratos, cópias das cartas de cobranças, os documentos respeitantes aos critérios usados para a elegibilidade dos beneficiários e as actas de aprovação.
Um total de 35 pequenos agricultores dos distritos de Ribáuè, Malema e Lalaua, na província de Nampula, receberam dinheiro, mas nos seus processos individuais não constam as actas de aprovação, contratos e cópias de cartas de cobranças. Este facto constitui sonegação ou deficiente prestação de informação nos termos da alínea e) n.º 3 do artigo 98 da Lei 14/2014, de 14 de agosto, alterada e republicada pela Lei nº 8/2015, de 6 de outubro – “… sonegação e ou deficiente prestação de informação e ou documentos pedidos pelo Tribunal competente…”, é passível de uma eventual responsabilidade financeira sancionatória nos termos do artigo 105, da lei supra.
Nos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2020 o FNDS efectuou pagamentos no valor total de 7.515.677,79 meticais referentes a diferentes contratos de aquisição de bens e serviços, sem que os mesmos tenham sido enviados ao Tribunal Administrativo para efeitos de anotação.
Os actos não sujeitos a visto dispensam-se da fiscalização prévia, entretanto devem ser submetidas as cópias ao Tribunal Administrativo para anotação, de acordo com o n.º 1 do artigo 72 da Lei 14/2014, de 14 de agosto, alterada e republicada pela Lei nº 8/2015, de 6 de outubro – “são submetidos a mera anotação os actos não sujeitos a visto que a lei determine”.
A falta de submissão dos contratos ao Tribunal Administrativo para efeitos de anotação consubstancia uma infracção financeira, nos termos da alínea j) do n.º 3 do artigo 98 da Lei 14/2014, de 14 de agosto, alterada e republicada pela Lei 8/2015, de 06 de outubro – “violação de normas legais ou regulamentais respeitantes à gestão e controlo orçamental de tesouraria e de património” é passível de eventual responsabilidade financeira sancionatória nos termos do art.º 105 da mesma Lei. (Centro de Democracia e Direitos Humanos)
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