“Escândalo sexual” no Conselho Cristão de Moçambique

Diante da exposição, “Integrity” ouviu a Reverenda Felicidade Cherinda, então Presidente do CCM, que confirmou ter recebido o dossiê contendo a denúncia e criado uma Comissão de Inquérito, antes de deixar a função para clarificação da situação que as mulheres denunciantes vivem no CCM desde 2008 – actualidade, entretanto, as denunciantes dizem que os procedimentos de auscultação não foram dos melhores, uma vez que as vitimas não estavam a ser protegidas, o que viria posteriormente a alastrar uma onda de intimidações.

Ainda na senda da busca por respostas, “Integrity” contactou por diversas vezes, a actual Direcção do CCM, para ouvir a sua versão dos factos, que primeiramente solicitou que lhe facultássemos a carta anonima para poder reagir, o que procuramos fazer, mas sem sucesso. E tratando-se de um caso sensível, “Integrity”, enviou uma mensagem, se apresentado por mais uma vez e solicitando que fosse recebido para a produção do contraditório, mas debalde!

E sem alternativas, “Integrity” publica na íntegra na presente edição, a carta denúncia das mulheres que trabalham no CCM e “sofrem no silêncio há vários anos em nome da fé”:

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Estimada Presidente do Conselho Cristão de Moçambique,

Estimados Vice-Presidentes do Conselho Cristão de Moçambique

Estimados Membros do Senado e da Comissão Permanente,

Estimados Delegados à Conferência do CCM   

Maputo, 14 de outubro de 2022

Assunto: CARTA-DENÚNCIA ANÓNIMA DE ASSÉDIO SEXUAL ÀS MULHERES COLABORADORAS DO CCM NAS PROVÍNCIAS DE NIASSA, CABO DELGADO, NAMPULA, ZAMBÉZIA, TETE, MANICA, INHAMBANE E CIDADE DE MAPUTO.

1. Introdução

É com muito pesar, tristeza, dor e desolação que nós, as mulheres colaboradoras do CCM, mulheres teólogas e outras mulheres das igrejas membros do CCM, escrevemos esta carta-denúncia no ANONIMATO como um pedido de SOCORRO. A nossa dignidade como seres humanos, como mulheres, mães, esposas, noivas, viúvas, filhas, irmãs, cunhadas e noras, está a ser pisoteada todos os dias que colocamos os nossos pés no escritório. O Pastor Agostão Zitha, o actual Director de Programas é quem nos tem assediado sexualmente desde que ele se tornou colaborador do CCM, entre 2008 e 2009. Nenhuma de nós alguma vez teve a coragem de denunciar estes factos, mas desde que ele foi nomeado Director de Programas, a frequência de assédios aumentou de forma exponencial.

O Secretário Geral não sabe nada sobre este assunto porque nunca a ele reportamos, por acharmos que não seria resolvido. Há relatos que este tipo de denúncia muitas das vezes transforma o perpetrador em vítima e a as vítimas em mulheres da vida que só querem prejudicar o bom nome de um Pastor, homem de Deus. Por isso achamos que esta conferência é o lugar certo para podermos expor este assunto de forma aberta e transparente para que seja atendido, com a liderança da nossa presidente que é também mulher e saberá entender a mensagem e conteúdos desta carta-denúncia.

2. Dos Factos

2.1. Assédio Sexual

Não há nenhuma viagem de trabalho que este senhor realiza para cada uma das províncias sem que não se dê ao prazer de assediar sexualmente cada colega mulher que estiver alocado ao escritório, usando o seu poder como moeda de troca. Todas nós já fomos vítimas de assédio sexual perpetrada pelo Pastor Agostão.

As mulheres colaboradoras nas províncias tem sido vítima de assédio durante o trabalho de visita de campo do Pastor, onde tem nos convidados para o Hotel onde estiver hospedado, prometendo-nos proteger a nossa vaga de emprego caso o Delegado provincial queira nos despedir ou terminar o contrato. Mais ainda, o Pastor tem-nos prometido aumento salarial nos projectos sob a sua gestão, em troca de passarmos uma noite com ele ou nos tornarmos amante dele. Muitas de nós somos casadas, algumas solteiras, mas comprometidas e outras em estado de viuvez.

 Para ele não importa a justificação, desde o momento que ele consiga satisfazer o seu apetite sexual, nunca vai parar de enviar mensagens, presentes indecentes, elogios indecentes, chamadas telefónicas e até vídeos de pornografia. Nós estamos vulneráveis porque dependemos deste emprego para dar de comer aos nossos filhos, pagar propinas, etc, e não podemos fazer uma denúncia com o risco de perdermos emprego. Aqui em Maputo, a situação é ainda mais dramática porque estamos com ele todos os dias.

É doloroso sentar ao lado de um Pastor que te assedia e abusa sexualmente todas as vezes que entras no gabinete dele para tratar algum expediente de trabalho. É frustrante viajar longas distâncias com alguém que te pode violar sexualmente, sendo teu chefe e líder espiritual. É desmotivador e, ao mesmo tempo, desgostoso saber que o meu chefe, colega de trabalho eclesiástico, não olha para mim como um profissional ou como uma Pastora, mas sim como um objecto de satisfação sexual.

Ninguém aqui, mesmo o Secretário Geral, controla o poder que o Pastor Agostão tem sobre o dinheiro dos projectos, só ele sabe o que faz e deixa de fazer, não presta contas a ninguém a não ser o doador. Ele é quem toma a decisão sobre os aumentos salariais aos colegas que trabalham directamente com ele, sobre quem viaja com ele para o exterior e sobre quem dos membros das igrejas deve participar dos seminários.

Portanto, sendo mulher vulnerável, ou aceito ser amante dele ou não tenho aumento salarial. Mesmo ele estando de viagem de trabalho nas províncias nós não sossegamos em nenhum momento, porque mesmo de longe ele consegue usar o seu poder para nos intimidar que vamos perder emprego, que no próximo ano não vamos ter aumento salarial, que as oportunidades de viagens serão escassas simplesmente porque não estamos a ceder às suas investidas de assédio sexual.

2.2. Ameaças por não Ter Aceite Ser Amante

Quando nós, mulheres colaboradoras, mulheres teólogas e outras membros das igrejas do CCM, somos assediadas e não correspondermos aos apetites sexuais do Pastor, este torna a nossa vida profissional infernal, questiona o nosso profissionalismo sem usar critérios de avaliação de desempenho claros e justos, isola-nos de todos os benefícios (viagens para o exterior a trabalho, participação de seminários, etc) existentes no CCM e, às vezes, propaga informações falsas que beliscam a nossa imagem e rotula-nos como mulheres incompetentes, rebaixando a nossa autoestima como seres humanos úteis à sociedade e acima de tudo como mães e esposas que somos.

Algumas de nós já estivemos numa situação de não saber se teremos emprego no dia seguinte depois de termos negado a uma tentativa de assédio ou abuso sexual. Algumas de nós já nem consegue olhar para o esposo e responder sobre como foi o nosso dia no trabalho, porque não teremos como dizer aos nossos esposos que o chefe está a nos fazer propostas indecentes. Mas no dia seguinte lá vamos nós para enfrentar mais um dia de assédio sexual. Agora perguntamos a vocês membros do Senado, membros da Comissão Permanente e Delegados a Conferência:

1. Que mulher pode suportar tanta pressão do seu chefe ou colega, que tem a faca e o queijo na mão, para decidir sobre o seu futuro e da sua família?
2. Que dignidade e respeito temos na família, igreja e sociedade se somos vistas e tratadas como um objecto de satisfação sexual de um Pastor e colega?
3. Como se sentiriam se isto estivesse a acontecer com vossa filha, sobrinha, esposa e irmã? O que diriam a ela? Para abandonar o posto de trabalho? Para denunciar mesmo sabendo que não iria acontecer nada além de ser despedida e rotulada como uma qualquer?

2.3. Provas que Confirmam os Factos

Todas nós, mulheres colaboradoras, temos provas em forma de mensagens de texto (mensagem normal e de WhatsApp), vídeos indecentes de mulheres nuas e até de pornografia enviados por ele, às mulheres, incluindo depoimentos de mulheres antigas colaboradoras do CCM. Preferimos usar o anonimato para não sermos rotuladas de vítimas por ninguém e, em função disso, sermos estigmatizadas ou descriminadas.

 As provas existem e estão preparadas a serem partilhadas assim que forem solicitadas por quem é de direito resolver este assunto que ofende não só as políticas do CCM sobre Abuso e Exploração Sexual, mas também são crimes puníveis pela lei em Moçambique. Por isso estamos preparadas e motivadas para iniciar com um processo crime, sendo assistidas por um dos maiores escritórios de advogados da praça, que reconhecendo a pertinência do caso, se predispôs a apoiar sem pagarmos honorários do seu tempo.

Esta carta-denúncia foi preparada e revisada pelo mesmo escritório de advogados, que preferimos manter o seu nome no anonimato. Para além das provas acima mencionadas, temos depoimentos de mulheres que não estão no CCM, foram vítimas de assédio sexual pelo Pastor, que ainda continuam a ser perseguidas porque simplesmente o Pastor ainda não conseguiu satisfazer o seu ego. Muitas destas mulheres reportam estar a sofrer traumas e peso de consciência por nunca terem conseguido denunciar.

2.4. Ética, Deontologia Profissional e Direito Penal

Os códigos de conduta e políticas sobre abuso e exploração sexual que o CCM é signatário como membro do Conselho Mundial das Igrejas (CMI), da Conferência de Todas as Igrejas de África (CITA), da ACTALLIANCE e ao nível dos vários doadores que tem apoiado o trabalho do CCM, de forma resumida determinam que, independentemente da posição hierárquica, o convívio no ambiente de trabalho deve estar alicerçado na cordialidade, no respeito mútuo, na equidade, no bem estar, na segurança de todos, na colaboração, no espírito de equipe e na busca de um objectivo comum. Assim, as condutas do colaborador devem contribuir para um ambiente de trabalho livre de ofensas, difamação, exploração, discriminação, repressão, intimidação, assédio e violência verbal ou não verbal.

Portanto, não temos nenhuma dúvida que fomos criminalmente ofendidas com crimes de (1) assédio sexual por chantagem, uma vez que o Pastor fez exigências de conduta sexual em troca de benefícios ou para não geração de prejuízos ao trabalho e (2) assédio sexual por intimidação uma vez que o Pastor fez provocações sexuais inoportunas no ambiente de trabalho, com o efeito de prejudicar a nossa actuação ou de criar uma situação ofensiva, de intimidação ou humilhação. Estes crimes caracterizam-se pela insistência, impertinência, hostilidade praticada individualmente ou em grupo, manifestando relações de poder ou de força não necessariamente de hierarquia.

O código penal no seu número 1 do articulado 205 (que trata sobre assédio sexual) diz que “Quem, abusando da autoridade que lhe conferem as suas funções ou prevalecendo-se da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função, constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, é punido com a pena de prisão até 2 anos e multa correspondente.

 De acordo com o artigo 208 na sua alínea a) este crime é agravado quando a vítima se encontrar numa relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação. Não subsistem dúvidas sobre os crimes cometidos, de forma recorrente, pelo Pastor Agostão, o nosso Director de Programas.

3. Propostas de Soluções

Nós, as mulheres colaboradoras, mulheres teólogas e outras demais mulheres provenientes das igrejas membros como beneficiários dos programas do CCM:

• Estamos organizadas a dar entrada de um processo crime contra o Pastor Agostão Zitha, do qual sabemos que iremos vencer em tribunal.
• Por outro lado, estamos prontas para colaborar com uma Comissão de Inquérito a ser criada para atender a este assunto, que deverá ser formada por pessoas de elevada reputação na sociedade, isto é, Bispos incluindo do sexo feminino.
• Adicionalmente, estamos dispostas a escrever para todos os doadores do CCM sobre a ocorrência de caso de assédio sexual no trabalho para que possam investigar, sem necessariamente deixarem de financiar as actividades do CCM, mas a reputação institucional será questionada.
• Temos evidências suficientes para enviarmos aos órgãos de comunicação social onde a integridade e reputação de toda a liderança do CCM será questionada pela sociedade.

Porém, todas as possibilidades acima mencionadas só NÃO seguirão em frente caso o Pastor Agostão Zitha, Director de Programas, DEMITA-SE COM EFEITOS IMEDIATOS. Alguns de vós poderão ter um entendimento de estarmos a ameaçar e a colocar os delegados da conferência numa saia justa. Para nós isto trata-se de sobrevivência a um ciclo vicioso de assédio, abuso e exploração sexual.

Para nós significa recuperação de dignidade e respeito pela nossa imagem e reputação como seres humanos, mulheres, esposas, irmãs, filhas, cunhadas e noras. Caso prefira uma solução litigiosa, estamos preparadas a apelar a uma pena máxima não passível de ser convertida em pena alternativa.

 FIM