Escrito por Sufiane Nambera
Existe uma expressão famosa e que com frequência tenho dito: “o futuro tecnológico de uma nação encontra-se não mais do que a baixo dos seus pés”.
Esta ideia remete-nos ao aproveitamento sustentável dos recursos minerais, não se refere aqui de um recurso qualquer, mas a um grupo deles que para além de seus potenciais na aplicação em produtos de alta tecnologia (materiais “portadores do futuro”), apresentem duas outras características: que sejam recursos minerais cujo país dependa em grande percentual para o suprimento de sectores vitais de sua economia e finalmente, que sejam minerais cujo país apresenta vantagens na geração de divisas.
Todavia, as três características acima mencionadas quando presentes em uma matéria-prima mineral, conferem a esse recurso uma importância única e estratégica, não há necessidade que todas elas estejam combinadas num mesmo recurso, apenas uma delas seria suficiente para torná-lo estratégico.
A dependência tecnológica é a característica básica da civilização moderna, novos produtos têm sido constantemente desenvolvidos ou aperfeiçoados, criando maior demanda de materiais específicos e que pela sua importância, um bem mineral pode atingir o nível de um recurso natural crítico, que é aquele recurso que pela sua demanda, haja ameaça potencial no seu fornecimento, o que gera prejuízo económico a quem dele depende. É evidente que um aumento na procura de um determinado produto de consumo, leva a aumento na busca pelo material que o produz e consequentemente o preço da sua matéria-prima torna-se mais caro.
E então, qual é o real enquadramento de Moçambique face aos recursos minerais de que detém?
Uma breve observação do mapa geológico fornece-nos informações inquestionáveis da riqueza mineral do nosso país, apesar de muitos de nós agirmos como se não compreendêssemos. Além do mais, novas descobertas têm sido feitas diariamente, razão pela qual o número de licenças de pesquisa e exploração mineira tende a crescer.
Dentre os diversos materiais mineiros, vamos aqui destacar alguns dos quais poderiam ser considerados e tratados de forma especial, para o efeito basear-nos-emos na metodologia proposta pela European Commission (2010), que preconiza a existência nesse recurso de pelo menos uma das três características explicadas acima, para se considerar um recurso mineral estratégico. A seguir, analisaremos cada uma dessas características por forma a perceber em que medida as mesmas são aplicáveis no nosso país.
1 – Minerais que deverão crescer em importância por sua aplicação em produtos de alta tecnologia (minerais do futuro)
Abarca os minerais que deverão crescer nas próximas décadas em decorrência da sua aplicação tecnológica, são os chamados “minerais portadores do futuro”. Entretanto, a maioria deles apresenta um risco de fornecimento devido a sua crescente procura e, por isso mesmo, são também denominados de “minerais críticos”. Ou seja, a maioria dos minerais portadores do futuro, são minerais críticos. Deste modo, a European Commission define minerais críticos como:
“Todo mineral cuja produção doméstica é insuficiente para atender ao consumo do país ou cujas reservas próprias satisfazem às necessidades actuais, mas delineiam-se insuficientes para atender à demanda prospectiva futura. Igualmente críticas serão as substâncias escassas no planeta ou com distribuição concentrada em determinados países, independentemente do vulto das reservas nacionais”.
Um exemplo é o de países que tem alto comprometimento (60%) de sua matriz energética com usinas nucleares e são dependentes, portanto, de urânio.
Em seu estudo, a Comissão Europeia evidenciou que os países da Europa estão a enfrentar uma carência de 14 matérias-primas minerais: antimônio, berilo, cobalto, fluorite, gálio, índio, germânio, grafite, magnésio, nióbio, metais do grupo da platina (MGP), elementos das terras raras (ETR), tântalo e tungstênio, todas fundamentais para a fabricação de telefones celulares, computadores e produtos análogos com alta complexidade tecnológica. Segundo o estudo, um dos motivos fundamentais para essa vulnerabilidade é que a produção desses minerais está concentrada em onze países a nível mundial: China, Rússia, República Democrática de Congo, Índia, Japão, Ruanda, Canadá, USA, México, Brasil e África do Sul.
Mapa mundo dos minerais críticos. (European Commission, 2010).
Da mesma forma, o relatório emitido pelo National Research Council (NRC, 2008), da Academia Nacional (EUA), identifica duas famílias de minerais e três minerais individuais que enfrentam risco significativo de ruptura. O trabalho também oferece uma nova forma de avaliar a importância desses minerais para a economia norte-americana, denominado “Matriz Crítica”.
Qualquer mineral pode, em algum momento tornar-se crítico para a segurança ou a economia nacional, dependendo da sua utilização.
Moçambique apesar de ser um país não industrializado e ainda não terem sido feitos estudos prospectivos de materiais estratégicos, podemos notar a existência em quantidades muito grandes de depósitos e jazigos minerais dalgumas matérias-primas consideradas críticas nos países industrializados.
Grafite, tântalo, nióbio e terras raras são os principais minerais críticos encontrados em Moçambique. Alguns deles são explorados de forma industrial e outros, de forma ilegal por garimpeiros.
A grafite é um dos minerais críticos nos países industrializados e o mesmo, iniciou-se a sua exploração recentemente no Distrito de Balama em Cabo Delgado, no maior depósito de grafite do mundo, estimados em mais de 116 milhões de toneladas. Outra reserva importante de grafite localiza-se no Distrito de Napipe em Niassa, estimadas em cerca de 5 milhões de toneladas, cuja extracção do minério está numa fase avançada para o arranque. Ainda existe a mina de grafite de Ancuabe, em Cabo Delgado, estimadas em cerca de 3,04 milhões de toneladas, actualmente explorada pela mineradora Australiana Triton Minerals. A mina de Ancuabe esteve paralisada por um período de 18 anos, tendo reaberto em 2017.
A tantalite-colombite é um mineral constituído pelas associações de óxidos de nióbio e tântalo, estando presente outros elementos como ferro, manganês, entre outros. Varia de composição, onde o nióbio e tântalo encontram-se combinados em diversas proporções. A tantalite pura apresenta 100% de tântalo em massa e a colombite pura 100% de nióbio. Ambos (tântalo e o nióbio) são elementos críticos nos países industrializados e os mesmos encontram-se em quantidades significativas na zona Norte de Moçambique, concretamente nos Distritos do Ile e Alto Molócuè.
A produção de tântalo em Moçambique já atingiu cerca de 7,2% no mercado mundial no ano de 2014, estando apenas atrás de três países: Brasil com 10%, Congo com 16,9 % e Ruanda com 50,9 %, sendo este último o maior produtor.
Elementos das Terras Raras (ETR) é um grupo de 15 elementos constituídos pela família dos lantanídeos mais o ítrio. São classificados como:
- Leves: lantânio, cério, praseodímio e neodímio;
- Médios: samário, európio e gadolínio;
- Pesados: térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio e ítrio.
Não obstante, recebem essa denominação não por serem “raros”, mas pela dificuldade de extracção e pelos padrões de demanda, pois, de modo geral não existem outros elementos que os possam substituir nas suas principais aplicações.
O principal produtor e consumidor é a China, que já chegou a produzir em 2011 cerca de 97% e consumir 67% desse mesmo recurso. Considerada a arma econômica da China, chegou a produzir em 2018 cerca de 120 mil toneladas, seguida por Austrália que produziu no mesmo período cerca de 20 mil toneladas. Entretanto, a segunda maior reserva encontra-se no Brasil, apesar deste ser o nono país mais produtor (European Commission, 2020).
Em Moçambique há indícios fortes da ocorrência de elementos das terras raras, numa região que dista cerca de 150 km a Oeste da Cidade de Quelimane. Este facto foi anunciado no primeiro semestre do corrente ano, pela empresa mineira de origem Australiana MRG Metals Ltd, que obteve os primeiros sinais espectrômetros radiométricos positivos, recolhidos a partir de um levantamento geofísico aerotransportado.
2 – Matéria mineral do qual Moçambique depende de sua importação para o suprimento de sectores vitais de sua economia:
Neste grupo, deveriam ser consideradas aquelas matérias-primas, minerais cujo país importa e necessita fortemente para o suprimento de sectores vitais da sua economia, no entanto, Moçambique é dominado apenas por indústrias de processamento mineiro e não necessariamente de transformação dessas matérias em consumíveis. Para além da alumina importada e usada na produção do alumínio bruto pela Mozal, não se destaca nenhuma matéria-prima mineral que se considere importante no suprimento da sua economia, o que ocorre é apenas a importação de produtos acabados, como os fertilizantes (produto derivado de matérias-primas minerais).
3 – Minerais cujo país apresenta vantagens na geração de divisas
Os principais produtos minerais cujo país se beneficia em grande, na geração de divisas são o carvão natural e o alumínio bruto.
Carvão natural é uma rocha sedimentar combustível, formada por restos de vegetais. Foi a base da revolução industrial iniciada no séc. XX, elevando as economias da época a um nível nunca antes visto e continua a ser importante na economia actual. É usado como uma das maiores fontes de energia e também para o fabrico do coque metalúrgico.
As três maiores reservas de carvão encontram-se respectivamente nos EUA, com cerca de 237 biliões de toneladas, Rússia com 157 biliões de toneladas e China com 114 biliões de toneladas. Relativamente a produção, a China é o país que mais produz, seguida por EUA e Indonésia ocupando a terceira posição. O consumo deste bem atinge maiores números na China, logo atrás vem os EUA e por último a Índia que é o terceiro maior país consumidor.
Por outro lado, Moçambique possui várias jazidas de carvão natural, sendo a de Tete a mais importante. Estimadas em cerca de 2,5 biliões de toneladas, são importantes fontes geradoras de divisas para o país e o principal produto mais exportado de Moçambique.
Entretanto, o alumínio bruto é o segundo maior produto exportado de Moçambique e que comparticipa significativamente na receita do país. A mais de uma década, a Mozal, empresa responsável pela fundição e produção de lingotes de alumínio bruto, é a empresa com maior faturamento de Moçambique. Sua função consiste em importar o minério de ferro, fazer a fundição e produção de alumínio bruto para posteriormente, exportá-lo.
Desta maneira, todos esses minerais aqui referenciados são minerais críticos nos países industrializados e, portanto, deveriam ser considerados estratégicos no nosso país e gerenciados de maneira especial, pois são matérias-primas cuja demanda é maior que a oferta, assim como servem para o fabrico de produtos de uso vital na actualidade, alguns dos quais não é possível o seu fabrico usando matéria-prima mineral diferente.
Para saber mais:
BARRIA, Cecilia. A corrida pelos minerais do futuro que podem pôr em risco a segurança nacional. In: https://www.bbc.com/portuguese/geral-61175455
BÔAS, Roberto C. Vilas. Minérios estratégicos: Perspectivas. Rio de Janeiro: CETEM/CNPq, 1992.
CEDES. Minerais estratégicos e terras-raras. MARTINS, Colbert (relator); LIMA, Ribeiro et al., (consultor). Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.
Critical Raw Materials. In: https://www.crmalliance.eu/critical-raw-materials
EUROPEAN COMMISSION. Critical Raw Materials for Strategic Technologies and Sectors in the EU: Foresight Study. In: https://www.researchgate.net/publication/344237416
NRC. Minerals, Critical minerals, and the US economy. In: https://books.google.com/books/about/Minerals_Critical_Minerals_and_the_U_S_E.html?hl=pt-PT&id=UaVVAgAAQBAJ
ROSENTAL, Simon. Terras raras. In: http://mineralis.cetem.gov.br/handle/cetem/1140