A China é o maior credor individual dos países africanos, detendo mais de 73 biliões de dólares em dívidas no continente. Em lugares como Angola — o maior mutuário africano da China — e Zâmbia, os empréstimos do governo chinês pagaram projectos de infra-estruturas de alto preço, desde estádios a caminhos-de-ferro.
“Em grande parte do mundo, o relógio bateu a meia-noite,” Ken Rogoff, economista da Universidade de Harvard, disse recentemente à The Associated Press. “A China entrou e deixou esta instabilidade geopolítica que pode ter efeitos duradouros.”
O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial informaram que 22 países africanos enfrentam dificuldades financeiras devido ao peso da sua dívida. O elevado endividamento pode afectar a capacidade de um país prestar serviços aos seus cidadãos, uma vez que cada vez mais receitas fiscais são canalizadas para o pagamento de empréstimos.
Em muitos casos, esses países devem a maior parte da sua dívida à China, que tem mostrado repetidamente que não perdoa na sua exigência de reembolso. Entre os países africanos, Angola (25 biliões de dólares), Etiópia (7,4 biliões de dólares), Quénia (7,4 biliões de dólares) e República do Congo (7,3 biliões de dólares) são os que mais devem à China.
O Quénia é um exemplo do que pode acontecer a outros países quando se confrontam com a dívida chinesa.
O Quénia gasta mais de metade das suas receitas nacionais com a dívida, contra cerca de um terço em 2022. Os funcionários do Tesouro esperam que os pagamentos só ao Banco de Exportação e Importação da China mais do que dupliquem para 800 milhões de dólares no ano orçamental que começa este mês. Em resposta à crescente pressão financeira, o governo reduzirá os seus pagamentos com o novo orçamento que começa em Julho. Por sua vez, os empréstimos da China abrandaram.
No final de Maio, um relatório da Reuters e de investigadores de cibersegurança concluiu que os sistemas informáticos do governo do Quénia tinham sido atacados repetidamente nos últimos anos por piratas informáticos chineses que procuravam obter informações sobre as suas dívidas a Pequim.
O Quénia foi um dos primeiros participantes africanos na Iniciativa do Cinturão e Rota, da China, contando com financiamento chinês para construir a linha férrea de bitola padrão, estabelecer um porto interior em Naivasha e modernizar o principal porto internacional do país em Mombaça.
Entre 2013 e 2021, a dívida do Quénia aumentou de 16 biliões de dólares para mais de 71 biliões de dólares, grande parte dos quais devidos à China. A dívida do Quénia, tanto externa como interna, equivale actualmente a cerca de 70% do seu produto interno bruto.
Cerca de um terço, ou seja, 12 biliões de dólares, dos actuais 36 bilhões de dólares de dívida externa do Quénia está ligado ao Banco de Desenvolvimento da China e ao Banco de Exportação e Importação da China, propriedades do governo. Embora sejam apoiados pelo governo, ambos os bancos funcionam como credores comerciais, oferecendo empréstimos a taxas de juro que são quase o dobro das taxas dos credores multinacionais, como o FMI ou o Banco Mundial.
Como credores comerciais, os bancos recusam-se a cancelar as dívidas da mesma forma que a China cancelou o seu montante relativamente pequeno de empréstimos directos do Estado. Estes empréstimos são frequentemente acompanhados de cláusulas de confidencialidade, o que torna difícil para o público saber quanto é que o seu governo deve.
O Presidente do Quénia, William Ruto, é um dos poucos líderes a revelar os termos do empréstimo chinês. Publicou os documentos do empréstimo para a linha férrea de bitola padrão do Quénia, avaliada em 4,7 bilhões de dólares, que foi construída pela China e projectada para ser rentável com base em previsões de receitas inflacionadas que a linha não conseguiu cumprir.
Os economistas do governo dizem que a dívida do Quénia continua a ser controlável, mas já está a obrigar o governo a fazer algumas escolhas difíceis. Confrontado com a escolha entre pagar à China ou pagar aos funcionários públicos, o governo queniano optou ultimamente por pagar à China.
“Quando os vencimentos se acumulam, ou as receitas ficam aquém, ou os mercados mudam, alguma coisa tem de ceder,” publicou recentemente o conselheiro económico de Ruto, David Ndii, no Twitter. “Salários ou incumprimento? Escolhe o que quiseres.” (TEXTO: ADF)
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